The Sisterhood, “Giving Ground”, in https://www.youtube.com/watch?v=SX5cfMMM-LI
Foi por acaso. Um dia, pediu-lhe uma opinião sobre um problema pessoal. Ficou perplexo. Lida mal com problemas pessoais, a começar pelos seus. Os dos outros são um corpo estranho e, ao contrário do que estava vulgarizado (dizem: é mais fácil resolver os problemas alheios, porque não são os problemas próprios), ele sentia-se sem jeito quando sentia esta cumplicidade existencial como uma intrusão.
A custo, esboçou uma teoria sobre o problema e, usando as suas reconhecidas capacidades de organização do pensamento, entreteceu um fio condutor que ia da análise ao diagnóstico. Por cautela, concluiu advertindo que seria assim que procurava resolver o problema se ele fosse seu (sem ter a certeza do que dizia) e que, ainda assim, não tinha a certeza do que acabara de sugerir.
Foi como se o clique tivesse desatado e ela, inebriada com tanta sensatez (“não estou habituada a que os homens tenham sensatez”), passou para o papel de seduzida. Ele era capaz de jurar que não puxara pelos galões da sensatez para a seduzir. Ou melhor: não recusava a possibilidade de um affair, mas não usou a sensatez como estratégia para a seduzir. Assim como assim, ele nem se tinha em boa conta como tutor da sensatez e muito menos lhe era dado a saber que havia mulheres que davam o flanco (por assim dizer) quando banhadas na água da sensatez exposta por quem a elas se dirigia, sobretudo se elas se participassem à luxúria.
Não se fez rogado; um homem que se preze – e ele prezava de o ser, no âmago de uma certa masculinidade que hoje se convenciona adjetivar “tóxica” – não deixa passar uma possível conquista entre os dedos. Naqueles tempos mortos, em que o espaço era dado ao pensamento, continuava surpreendido como o dom da sensatez podia ser o detonador de um engate.
(Confirmando a masculinidade tóxica, pois o termo é denotativo de unilateralidade, quando a sedução exige reciprocidade. Mas essa era uma análise a que ele não conseguia chegar, dada a educação que tivera e a convivência com homens que, de uma certa forma, “coisificavam” as mulheres.)
Estava atónito. Ele há mulheres de vários géneros, como homens de vários géneros. Como a lascívia de uma relação carnal era compatível com a sensatez como seu detonador, era algo que não conseguia explicar. Porventura, porque todos temos um pouco de contrários, procurando através da sensatez o equilíbrio que propositadamente desaparece quando os corpos se enredam.
Aprendeu: a sensatez dava frutos. Recolhia esses frutos, a preceito com a sua imensa masculinidade, e do passa-a-palavra sobressaía, pelos testemunhos dos amigos mais próximos, o sucesso da estratégia. Elas não diriam ser uma estratégia, mas tão pouco sabiam dos processos interiores do raciocínio. Talvez apenas se importassem com a volúpia e se entregassem a uma posição inicial de fragilidade, como quem está carente de sensatez como ponto cardeal para o demais.
A páginas tantas, estava cansado de ser um farol de sensatez. Não estava cansado do demais.
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