The White Stripes, “Seven Nation Army”, in https://www.youtube.com/watch?v=0J2QdDbelmY
(Mote: em momento introspetivo e, ao mesmo tempo, de uma, porventura, excessiva autoavaliação, uma pergunta de partida: pode um intelectual escrever sobre o que sentiu ao ser espetador de um jogo de futebol sem diminuir os seus pergaminhos?)
Já não ia ver um jogo de futebol há muitos anos. Nos estádios, nunca fico satisfeito com as condições do lugar: se é próximo do relvado, perde-se a noção do espaço; se é num lugar altaneiro, perde-se a emoção de estar perto dos intervenientes. É um espetáculo caro, sopesando a qualidade com o preço que se paga. E depois há a audiência. É o pior de um jogo de futebol. Gente invariavelmente de cabeça quente, incapaz de ser imparcial, incapaz de não destratar o adversário – é num jogo de futebol que por tanto destratar o adversário mais se aproxima do conceito de inimigo, o que é um paradoxo no desporto. O desporto foi concebido nos antípodas da guerra.
Fui ver um jogo de futebol da equipa que sempre foi a minha favorita. Não ganharam e jogaram mal. Do mal o menos. Como fui desaguar num sector do estádio onde estavam acantonados os adeptos da equipa da minha preferência, levei um banho de adeptos da minha equipa. A páginas tantas, senti uma pulsão interior e quase irreprimível – mas também indizível – de apoiar o adversário. E não era por causa da má figura da equipa da minha preferência. Era por causa dos adeptos da equipa, primatas, boçais, entoando incansáveis (na perspetiva deles, apenas) cânticos que, entre outros dislates, juravam que o maior amor que sabem existir é dirigido à equipa que dizem “amar”. Como o jogo não estava a correr bem, os adeptos eram esquizofrénicos. Tão depressa eram capazes de “dar a vida” pela equipa como, após uma jogada mal terminada ou um ato falhado de um jogador, partiam para o insulto fácil.
No fim da contenda, ficámos retidos pela polícia quase meia hora. Para evitar querelas entre os apoiantes das duas equipas, se acaso dessem de caras uns com os outros à saída do estádio. O que é sintomático da irracionalidade que ferve no sangue desta gente, que não percebe que um jogo de futebol é apenas um jogo de futebol, como uma vitória, ou um empate, ou uma derrota são apenas isso mesmo, vitória, empate ou derrota. Nessa quase meia hora, os adeptos entraram em conciliábulo. Devo ter conhecido, só à minha volta, uma dezena de catedráticos da especialidade. Se houvesse dúvidas, ter opinião quase sempre não quadra com entendimento.
À saída do estádio, estava encanitado. O mau humor não provinha do empate da equipa da minha preferência. O mau humor fora requentado pela minha incapacidade de identificação com o clube da minha preferência quando tenho por perto uma turba que partilha comigo esse elemento. Apeteceu desapetecer de ser a equipa da minha preferência – fiquei vacinado, espero que de uma vez por todas, para não empregar o termo “adepto”. E tal aconteceu pela antinomia com os adeptos que foram ao estádio apoiar a equipa que eu também fui apoiar. (Expressão que é excessiva. Sou um espetador fleumático, não entro no coro dos cânticos tribais e nem sequer dou um salto da cadeira quando a equipa da minha preferência marca um golo.) Da próxima vez, prefiro assistir ao jogo ao lado dos adeptos da equipa adversária.
O mal de tudo isto pode ser meu, admito. O que me deixa sossegado.
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