2.3.20

Antologia dos homens frágeis


Ladytron, “Destroy Everything You Touch”, in https://www.youtube.com/watch?v=JTTwlAT_AwU
Já não há combatentes, homens corajosos sem medo de oferecer a vida. Já não há os inesgotáveis esteios que são uma garantia inviolável. Homens de outra gesta, mostruários de valentia sobre-humana, faróis que são de difícil emulação. Os homens raros e, todavia, imprescindíveis para todos os demais se nobilitarem na identidade serena de um lugar. Homens-fortaleza. Já não há os que não hesitam em fazer a faena entre bestas inomináveis e avançam, temerários, seguros do triunfo.
Agora não há homens destes. Estão todos nos cemitérios, alguns na toponímia das cidades. Parece que adulteraram a linhagem dos homens. São tementes. Peritos em cálculos meticulosos que precedem as resoluções, muitas vezes reféns de um estado de sítio de quem não sabe, ou teme, decidir. Desprovidos de bravura, o corpo indisponível para demenciais despojamentos que terminam com uma entrega kamikaze. Abraçados a um hedonismo que seria herético para os corajosos homens de outra gesta. 
E, no entanto, estes frágeis homens são a homenagem à sua própria fragilidade. Recusando mitologias trespassadas de fantasia, ou de gratuita loucura, os homens frágeis admitem a fragilidade e exibem-na como paradigma. Têm consciência da efemeridade da vida, da sua exposição à contingência, e declaram-se penhores da fragilidade. Não a escondem. Mostram-na como parâmetro da sua linhagem. Sabem que só possuem uma vida. E que essa vida tem um valor incalculável. Não transigem com a oposição de outros valores que possam hipotecar a grandiosidade da vida. Nada está acima da vida. Como a têm por subordinada à fragilidade das condições que lhe são exteriores, celebram-na efusivamente. Em todas as suas possíveis manifestações. Interiores, com a entrega aos prazeres que se celebram desde a sua identidade, na evolução das preferências manifestadas. E exteriores, com a celebração de manifestações diversas de autoria de outros, com expressão nas artes e nas dádivas da natureza.
Estes homens frágeis não precisam de antologia outra que não seja a imersão nas suas vidas. Essa é a sua antologia, que não tem rival em alternativas emissões. Congeminam-se na sua bravura inigualável, que é admitir que são feitos de uma irrecusável fragilidade. 

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