28.2.20

Ao portador (short stories #199)


Jambinai, “Onda”, in https://www.youtube.com/watch?v=Z71tKxrztC4
          Não se alcance a confiança necessária para o esteio das pessoas. A única janela está fechada. Não é possível entrar na casa – ninguém tem a chave para abrir a porta. Que se encomenda à combustão dos espíritos, a não ser um módico de esperança? E o que é a esperança? A partir de quando ela é confundível com a ilusão? Melhor critério será ter um cais em que os pés estejam solidamente ancorados no chão. Apenas se conta com o que se pode contar. Não se espera nada que não sejam números escritos nos dados visíveis. A milésima tentativa de acostar na enseada onde as quimeras se prometem veio adornada com o sabor amargo: não se aprende nada e as ilusões estão três passos atrás dos sonhos, quando se aprecia a probabilidade de umas e de outros. Não se sabe se a janela à mostra, a janela que todavia está fechada, pode ser superada. Não se sabe se é perjúrio a intrusão consequente. Menos se sabe o que haveria para descobrir dentro da casa. Não se consegue refrear os dedos quentes, a emanação do sangue por sua vez fervente. Não é ao gato que pertence, a título exclusivo, a curiosidade irreprimível. A diferença é que os gatos têm sete vidas e a curiosidade não mata apenas o gato. E se a casa está armadilhada com a aliciação depois inescapável? O preço da curiosidade não pode ser a irretratável dependência. O medo será o vício da casa. A ela voltar, uma e outra vez, sem interrupção dos dias. Sem saber porquê. Um percurso maquinalmente empreendido, para da casa sair apenas com o proveito de a ela ter voltado. Como se houvesse purificação através do vazio. Os sonhos não são um paradigma. Não tornam legíveis as experiências havidas fora do sono. Antes uma taluda modesta, mas ao portador, do que uma quimera prometida e à partida impronunciável.

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