18.6.20

A árvore do meio (short stories #223)


Tricky, “Fall Please”, in https://www.youtube.com/watch?v=yAEiIF5parQ

          Diabos de igreja trovejam sobre o átrio vazio. À frente, o arvoredo. Umas pessoas tardiamente no lugar refugiam-se do tumulto sob a proteção do arvoredo. Assistem à coreografia iracunda dos diabos de igreja, que esboçam a vingança contra os excelsos modos que o mundo prepara na distração dos vultos enodoados. Juntam-se os prefácios em tirocínio. Inventariam-se os fantasmas e os modos possíveis de os exorcizar. Não se peticiona a mudança apenas pela mudança, se as pessoas tardias o são por não serem ali esperadas a desoras. Mas quem estabelece o horário de atendimento? Podia demandar-se uma procuração para desembaraçar o lugar e o horário de atendimento às almas penhoradas; a função seria em vão. Os diabos de igreja não capitulam. Quando a desordem parece amansar, eles remoçam e disparam as centelhas fulminantes que incendeiam o medo. As pessoas tardias começam a temer efeitos piores. Seriam vítimas dos diabos de igreja tresloucados? Tinham em débito uma série não frugal de culpas. Não transitavam pela cumeada do arrependimento. Sabê-lo-iam os diabos de igreja? Do pouco que avocavam dos cânones metafísicos, às pessoas tardias não era dado a lembrar a veia vingativa da religião nem dos seus testas-de-ferro. À cautela, consideraram a emergência de proteção reforçada. No arvoredo estava, centrípeta, uma árvore distinta, com copa larga e abundante ramagem que tombava sobre o chão em forma côncava. Correram entre as árvores, assustados com o troar enfurecido dos diabos de igreja. Mal chegaram à árvore do meio, o sobressalto dissipou-se. A árvore do meio era pródiga em aplacar as fúrias irreprimíveis, como se fosse uma serena barragem que represa sentimentos malparidos. Esperaram algum tempo, não fossem os diabos de igreja estar de atalaia, só à espera que eles, pessoas tardiamente deslocadas, saíssem da proteção da árvore centrípeta. À saída do arvoredo, olharam para trás. Não havia sinal da passagem do furacão dos sentidos afivelado pelos diabos de igreja. Nem sinal dos diabos de igreja.

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