Um catavento tem por serventia aprisionar o vento? A pergunta não era inocente. Saldou-se a resposta com outra pergunta: qual é a tua árvore favorita? Depois da surpresa, e de confessar que não percebia a gramática da pergunta (o que tem a ver com a pergunta antecedente?), fez a vontade: buganvílias. E se a noite for temperada por um luar amortalhado, o que tens a dizer? Às perguntas desconcertantes, sem fio condutor, ia respondendo, não sem esboçar alguma contrariedade: fico extática com o luar irredentista. Não é todos os dias que vemos um luar assim. É como nos eclipses. Factos marcantes. Não se desperdiçam.
Não distraída com a sucessão de improváveis interrogações, insistiu: um catavento tem por serventia aprisionar o vento? Se não pensarmos na porosidade das areias onde se decantam as palavras ditas, fica apenas a fala venal, um caroço no meio da fruta – e um caroço é um embaraço para os que se servem da fruta, mas também é a sua semente. Ela continuava a não compreender os termos do diálogo. Era como se estivesse metida à força numa conversa de loucos com um tempero de surrealismo. Mas não se demoveu com o exercício loquaz. Ele não ficaria sem resposta, mesmo que tivesse de improvisar um punhado de palavras que soassem a resposta. Disse: os caroços, destino-os ao lixo.
Mas diz-me de uma vez por todas: um catavento tem por serventia aprisionar o vento? Como réplica, um desfile de interrogações: acreditas nas gólgotas que transcendem o exílio a que foram condenadas? Acreditas no tempero milimétrico para as iguarias? Acreditas que as janelas têm avesso? Acreditas que as honrarias aos figurões são a exaustão da igualdade que eles apregoam? Acreditas...acreditas...no que acreditas? Ela não queria sentar-se no divã do psiquiatra, ou sentir-se refém de um confessionário. Estava a ficar cansada do jogo virado do avesso, em que o demandado se tornava demandante. Não respondeu a nenhuma pergunta, devolvendo outra interrogação: por que foges da pergunta que foi o ponto de partida?
Demorou a resposta, para melancolicamente admitir que não há resposta. Não há respostas. Que trágico mister o dos assoberbados pela certeza, que desenham respostas céleres, mas, todavia, não testadas, às suas perguntas. E adiantou: sabes, não sei para que serve um catavento. Se levarmos a palavra à letra, parece que captura o vento. Mas será que todo o vento cabe nas hastes do catavento? Age como força centrípeta, o vento todo aglomerado nas hastes do catavento?
Ela arriscou uma hipótese: se calhar, o catavento transfigura o vento em desvento. Não é o que acontece aos que são erradicados da liberdade? Não se tornam inertes, uma pálida caricatura do que foram em liberdade?
De uma coisa tinham certeza: não saíam do estatuto das interrogações.
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