9.6.20

Oitavo (short stories #220)


Ólafur Arnalds, “Unfold”, in https://www.youtube.com/watch?v=VC6IoruvRSs
          Oitavo, como se fosse o primeiro. O dia inaugural. Porque não sabíamos que o dia inaugural seria a exibição de um festim de que somos lídimos regentes. Até marcarmos no calendário o oitavo atravessamos tempestades nos intervalos de um palco de que somos feitos, no amor que não se aprende se não a vivê-lo. Soubemos ser artesãos de uma cumplicidade sem limites. Soubemos desenhar as paisagens que em nós se imortalizaram. Todos esses lugares podem dizer que guardam um pedaço de nós. Não nos importamos que o digam. Como não cultivamos a arrogância, admitimos que no que somos adejam os fragmentos dispersos que desses lugares trouxemos como legado. Não houve um único lugar que se tenha arrependido de nos conhecer. Ouvimo-los, em seus murmúrios discretos, confirmando o mandato. Como não somos de nos acomodar a recordações, abraçamo-nos ao tempo presente como a maior comenda que nos ornamenta. É o dia de hoje que importa. Sempre o dia de hoje, como projeção antecipada do porvir que houver por experimentar. O oitavo de que falamos não é fração; é número inteiro que se pressente na argamassa que nos cinge na inteireza do que somos uníssonos. Inteiro, como é um amor. As bocas saciam-se no suor de que viemos; nas palavras únicas; nos beijos irrepetíveis. Oitavo, que se multiplica na aritmética da combustão que arbitra o xisto que há em nós. O xisto que não precisa de palavras, no silêncio mirífico que aprende com os corpos. Oitavo, à espera de nono, décimo e assim sucessivamente, até já não sabermos o que é a matéria fundente por finitude das almas. Não somos ousados para pressagiar a perenidade de um amor. Sabemos que a morte nos extingue. É o incentivo a sermos pulsão maior durante a fragilidade da vida, transfigurando-a num festim singular onde aprendemos todos os dias que o amor é um mapa com todas as possibilidades por explorar. O amor perene enquanto nós, seus tutores, formos existência.

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