Um retrato sela a distância do tempo. Outro calibre da angústia, se através do retrato se afivela a tremenda diferença para o espelho do presente. É como se o intervalo entre dois tempos diferentes fosse o produto de um arredondamento. Descelebra-se a incontinência do tempo, ou a madurez do corpo que é a sela onde o tempo se cavalga. Mas os arredondamentos são feitos por defeito ou por excesso. O cotejo dos tempos é feitor de um arredondamento por excesso. É como se a passagem do tempo adicionasse sucessivas camadas ao corpo e ele se tornasse volumoso, às vezes disforme, pressentindo a decadência. É uma marca da janela por onde o tempo se insinua. São improcedentes as exortações à repristinação do tempo, que ele só conhece uma palavra. Outro critério será bom conselheiro. Em vez da amargura de quem carrega as baterias da autocomiseração, acusando o tempo de ser implacável (como se o não fosse com qualquer outro mortal), admita-se ao convívio a irrisória natureza do tempo. Ninguém nasce para ser novo para sempre. E se alguns se tornam peritos no envelhecimento precoce, não têm serventia as simulações que fingem uma idade que se não tem. Por mais que se convoquem sortilégios destinados a fazer do tempo um arredondamento por defeito, a tarefa acaba por aguar. O menor dos custos é aquele que aplaca frustrações evitáveis. Os que adiam a velhice sob a capa protetora de ilusórios disfarces estão fadados a uma aterragem forçada, violenta, dolorosa. Antes tivessem sabido conviver com o inelutável. Antes lhes fosse dado a saber que forjar um arredondamento por defeito é um ardil que se joga contra o seu fautor. O olímpico triunfo é aquele que não resiste às ordenanças do tempo. Sem lutar contra ele, nem por inércia o apressar. O amanhã não se compadece com arredondamentos.
24.6.20
Arredondamento (short stories #226)
Neil Young, “Rockin’ in the Free World”, in https://www.youtube.com/watch?v=WhjJLZDVRrA
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