8.6.20

Reconhecimento (short stories #219)


Jarvis Cocker, “House Music All Night Long” (extended version), in https://www.youtube.com/watch?v=qXe16-WuY6U
          Tateio o rosto à procura de um mapa. A escuridão colonizou o corpo. Os dedos concebem as linhas telúricas do rosto. Através dos poros, o corpo ouve o recorte do rosto. Ouve-o, siderado com a botânica que compõe a paisagem bucólica, com os versos quiméricos que são candeias rompendo a emaciação da noite. O rosto, como um vulto de si mesmo. Meticuloso esquadrinhar que concebe as irregularidades da pele. Como se fossem a metáfora viva de uma vida. O magma heurístico, desembrulhando as angústias no cais sombrio que devolve o paradeiro da manhã. Um pequeno lugar é bastante para a moradia do rosto. Podem os olhos arregalados manter-se na teimosia da claridade, que a escuridão que colonizou o corpo se terça como embaraço. Podia legar a luz, devolver um palco lunar ao quarto, derrotando a sua solidão. Desisto. Não é por medo do rosto refratado no espelho imediatamente demandado. É por critério. Teimosia: os dedos permanecem lisérgicos na cartografia do rosto. Um reconhecimento. Jogo com a etimologia: um conhecimento em sede de renovação. Às vezes, acordamos e não sabemos quem somos. Confundimo-nos com um arremedo de pessoa que não sabemos se julgamos ser. A nebulosa densifica-se. É como se um frio terrível percorresse as veias e o sangue se dissolvesse na desidentificação. Perdido no meio de um nada, sem coordenadas para encontrar um caminho plausível. Um re:conhecimento. As mãos desafiadas a serem escafandros percorrem as funduras abissais onde levita o magma fervente. O rosto está à espera que as mãos tragam um rudimento do magma à superfície. À espera de um reconhecimento. Os dedos são os artesãos do rosto em sua reconfiguração. Uma plástica intervenção que acentua os seus traços. Não está em liça um rosto redesenhado, como se fosse imperativa a reinvenção da identidade. A lua aclara o recorte do fiorde de onde a reinvenção tem partida. Mesmo na escuridão do quarto, o rosto caiado patenteia-se, intensamente nítido.

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