21.7.20

A teoria do boomerang


A crença na reposição do equilíbrio depois de um mal cometido é o selo da ingenuidade. Uma repartição cósmica da justiça cuidará de repor as coisas no seu estado anterior à cominação da iniquidade – acredita-se. E acredita-se que será deus, ou o sortilégio do destino, ou outra qualquer intermediação supra sensorial, ou apenas a justiça dos homens, a devolver a justiça. É cá que se fazem e é cá que se pagam. Esquecendo o poder do acaso. Muitas vezes, o regresso à casa da partida só acontece por uma coincidência que se chama acaso.

Primeiro, esta crença é a radiografia da ingenuidade que não quadra com as feições do real. Quantas vezes as injustiças são repostas? Só um seguidor de um otimismo antropológico inverificável pode afirmar que há uma qualquer modalidade de justiça, dos homens ou fora do seu perímetro, que cuide sistematicamente de cancelar os efeitos de uma injustiça. O mundo que conhecemos é a representação plúmbea em que se sedimentam diversas camadas de injustiça, com os esforços da justiça modesta para reparar os seus males. A antítese do lugar idílico onde vegetam os otimistas. É longo o desfile de gente macerada por injustiças sem que o tempo que corre seja o lagar onde se prepara o aperfeiçoamento da justiça.

Segundo, mesmo que haja a reposição de injustiças, com um possível regresso à casa da partida na véspera da injustiça, é suficiente para compensar a vítima? Enquanto se manteve a injustiça, a vítima foi por ela dilacerada. Acumulou dias, semanas, meses, ou mesmo anos de sofrimento. Por mais que se corrijam as injustiças, é criteriosa a compensação das vítimas? Como medir a sua dor, as perdas acertadas pela injustiça? O boomerang que se preconize é um critério rigoroso de compensação? 

Terceiro, a reparação das vítimas das injustiças é como abrir uma caixa de Pandora por se tratar de um sentimento invadido pela subjetividade. O sofrimento é variável de pessoa para pessoa. Como o é a dor, insuscetível de ser submetida a uma grelha de análise pontuada pela objetividade. O boomerang em ação, modalidade a preceito de personagens que se autoinvestem no poder de justiceiros, pode ser uma contrariedade para as vítimas de injustiças que se quer compensar. Algum justiceiro terá pensado que só a lembrança da injustiça pode ser outra injustiça imposta à sua vítima? E que corrigi-la, insistindo na compensação, pode ser outra injustiça a abater-se sobre a mesma pessoa?

O boomerang da justiça que se afeiçoa para despojar injustiças é errático. A justiça fica a perder para a injustiça. Esta é uma angústia com que se aprende a viver.

Happy Mondays, “Loose Fit”, in https://www.youtube.com/watch?v=xfF4k6TxFno

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