Uma mulher nua, de pernas escandalosamente abertas, parou o avanço da polícia numa manifestação de rua em Portland. A violência foi absolvida pela nudez heurística de uma mulher. Não seria o mesmo efeito se um homem fizesse as vezes da nudez, ostentando um orgulho falicamente masculino: adivinhe-se a investida da polícia, diligente no célere termo do que seria considerado um atentado ao pudor como eufemismo de um ato provocatório, que a exibição da nudez masculina seria um desafio aos seus semelhantes do lado da barricada em que estivessem os polícias.
Ao contrário, perante a nudez feminina posta em termos escandalosos (para os bons costumes, bem entendido), os polícias travaram o ímpeto do que prometia ser uma escalada de violência. Os agentes estavam preparados para responderem à violência dos manifestantes com a violência do poder legítimo. Mas apareceu a mulher nua, em pose lasciva, ou em pose parturiente, com a vagina escancarada à vista dos polícias. Um ato de tanta simplicidade valeu as tréguas.
O episódio é uma fértil encomenda para a reflexão. Uma mulher nua, sentada com as pernas bem abertas, mostrando-se pelas entranhas, pode conter uma provocação libidinosa a que os polícias responderam com demissão. A evocação sexual, traduzindo um potente ato de pacificação, representa o sexo como poderosa arma de arremesso contra a brutalidade, um temperador dos piores instintos violentos. Os mesmos polícias que não tolerariam a nudez provocatória de um homem em sua fálica exibição recuaram na predisposição para a violência ao serem confrontados com a pose (lasciva ou parturiente) da mulher. Terá sido uma manifestação de respeito pelo poder hedónico do sexo, a mulher ali desnudada e exibindo flagrantemente a vagina como epítome de todas as mulheres que os polícias amaram através do sexo.
(As más línguas poderiam conspirar, insinuando que a demissão da violência policial teria outra grelha de leitura: a má consciência dos maus amantes a forcá-los à retração do instinto de violência que tinham em ebulição).
A mulher nua, sentada com as pernas bem abertas, em pose parturiente, também pode conter uma simbologia maternal que detonou, no subconsciente dos polícias, a autorrepressão da violência para que vinham industriados. Um homem não agride a sua mãe. Aquela mulher, em pose também entendível como se estivesse a dar à luz, terá causado nos polícias o regresso às origens, quando no ato do nascimento foram extraídos da vagina maternal. A reverberação genesíaca era incompatível com o barril de pólvora que estava quase a ser acendido.
A nudez feminina foi instrumento de restauração da paz em véspera do atear da violência que se pressentia. Desta vez, foi a interpretação que levou vencimento. A História das guerras é prodiga no contrário, em atos selvagens de violação de mulheres pelos exércitos invasores, que consumam a usurpação sexual como instrumento que sela a invasão. Desta vez, em cenário prévio a uma erupção de violência, o desassombro de uma mulher em nudez que tanto pode ser entendida como provocação luxuriosa como evocação do parto, a nudez foi o bálsamo que asfixiou a violência.
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