3.7.20

No pátio, atrás da casa (short stories #232)


          Corre a cortina sobre o vento. Não são algemas o que te prende ao basalto do tempo. Se as ruas emergem como cognomes, não contes com o pastiche das alcáçovas como remédio. Há sempre uma fuga possível. No emaranhado das palavras que se contorcem no medo, um periscópio consegue distinguir a porta da fuga. Chegarás a um lugar ermo. Ninguém por perto. O silêncio será o teu mote. Poderás ser convocado a mergulhar na medula em que se fundem os sentidos. Não temas a demanda, por mais que ela se assemelhe a um abismo. Que o labirinto em que entras não seja uma casa dos horrores. Pois não sabes (a não ser por experiência indireta) o que são horrores. A eles foste poupado e a episódica falta de lucidez não te deixa reconhecer a proeza. Se ao menos os veleiros não fugissem do cais; se ao menos o vento soprasse de feição; se ao menos os mastins da fala não tivessem liberdade de expressão – tu serias domínio próprio, um país por dentro de um despaís. E não serias ufano do conseguido, pois não cuidas de teus méritos como te sobressaltam os deméritos. Podes vociferar contra os deuses, em litania constante que se nega a si própria. (Sempre estranhaste como pode a missão de um ateu ser a negação de deus.) Se procurares com cuidado, encontras um pátio sufragado na parte de trás da casa. Procura, meticulosamente. Assim que o encontrares, e mal notes os frondosos jacarandás que o contornam, saberás de cor as sílabas do poema que julgavas embaciado. Nessa altura, podes regressar e encher a casa com o perfume que os teus olhos exuberantemente exsudam de se terem detido nos jacarandás. A casa ficará inteira. Pronta a ser uma casa mirífica. E tu, o generoso mecenas que podia ser ornamentado com um prémio máximo de arquitetura.


Sixto Rodriguez, “I Wonder” (live on KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=Xw-BpTZAFRY

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