20.7.20

A lua não está à venda (short stories #236)

Echo and the Bunnymen, “The Killing Moon”, in https://www.youtube.com/watch?v=LWz0JC7afNQ

          Não queiram desencaminhar a lua extrovertida. O turno dos artesãos de atalaia, os que tencionam comprar a lua, é irrisório. Deviam saber que a lua é extra-proprietária. Inexpropriável. Combinem-se as forças silenciosas para travar o soez impulso dos que querem comprar a lua. Diga-se-lhes: a lua não está à venda; deixem-na caiar a noite; deixem-na ser a substância que invade a inspiração dos poetas; deixem-na ser a candeia que se caldeia com a noite encorpada. Quem quer comprar a lua? O que querem fazer com ela? Encerrá-la num biombo, cobrando franquia aos súbditos acometidos pela saudade do luar? Retirá-la do céu, alegando que o luar é iridescente e fabrica mitos que distraem as pessoas da vocação produtiva? Nada disso interessa. Os peões de uma qualquer conspiração devem ser demovidos do negócio. Não há negócio com a lua. Em última instância, expropriem-se os que teimarem na aquisição da lua. Tire-se-lhes por dentro a medula da personalidade. Não seria por vingança; seria para os convencer, pelo critério do cansaço, que uma vez exangues ter-lhes-ia sido despojada a ideia de serem compradores da lua. A lua, por sua vez, conta com o nosso patrocínio. Conta que sejamos compadres. Uma daquelas causas que angaria uma multidão (selo contemporâneo da intervenção cívica, no amuo da democracia formal). A lua quer continuar a irradiar a sua prodigalidade. Disse-o por sinais, as reverberações do luar detetadas por meticulosos telescópios e depois traduzidas por génios da decifração. A lua quer continuar a ser uma tutela parda de todos nós que não a deixamos órfã quando se torna visível. Digamos, em uníssono e de viva voz, a lua não está à venda. Repetidamente. Digamos, convincentemente, que a lua espera por nós. E os néscios que a querem comprar que sejam advertidos que a lua é um pedaço da sua carne. E que ninguém compra aos outros um pedaço da sua própria carne.  

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