10.7.20

Esta é a tua cronologia


Não cuides do lastro onde medram os imposturas. Porventura será um criterioso ardil em que exibes a tua generosidade: dirás: é preferível ser fautor dos enganos de mim mesmo do que povoá-los nos outros. Combina-te com o tempo que nunca é madraço. Empurra a poeira do oblívio contra a parede onde se elevam as variegações da manhã. Fresca, a manhã, cobra a serenidade da alma.

O estuário oferece-se ao teu olhar. Estende-se num delta que te transforma em soberano. Pelo menos, em soberano do teu pensar, que é garantia que te basta. As traineiras entram e saem do estuário e sobre elas adeja uma matilha de gaivotas. 

(Nota explicativa ao leitor: o autor tem conhecimento que um bando de gaivotas é um bando, não uma matilha. Que o leitor conceda liberdade criativa ao autor, e que lhe seja autorizado o direito de adulterar uma metáfora. As gaivotas transfiguraram-se. São predadores agressivos, o que justifica o uso da palavra “matilha”.) 

O tempo vai de feição com a corrente do rio, quase impercetível no seu caminho habitual para a embocadura do mar. Esta é a tua cronologia.

Volteias as páginas de uma biografia que parece ser a tua. Depois de uma aturada inspeção, percebes que a biografia não era sobre ti. Procuras entender as diferenças – como naquelas charadas que vêm nos jornais, “descubra as sete diferenças entre os dois desenhos”. Por vezes, reparamos que temos vidas parecidas. Somos cada vez mais um todo quase indistinguível, como se pudéssemos ser perfeitos substitutos. Logo agora que os direitos de personalidade foram deificados. É dos cânones: a teoria não consegue explicar o palco em que pisamos. 

Não ajuramentas nada que seja rima com o porvir. Desses quadrantes não sabes nada que seja penhor de um oráculo, e tu convictamente manténs a negação dos oráculos. Regulas a maresia que perfuma as arestas por onde o corpo se enovela à medida que as expiações rompem o sargaço. Desemaranhas os dedos que estavam reféns do sargaço. Regulas a maresia: e, senhor de um promontório, acertas o relógio pela cadência que a tua vontade determina. Não é ao contrário. Pois esta é a tua cronologia. 

Cage the Elephant, "Social Cues", in https://www.youtube.com/watch?v=2gR9LAI6rZQ

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