6.7.20

Gibraltar


Fortaleza. A cúspide acentuada num trono que inventaria os sedimentos da solidão. Não é um mecenato das ilusões que se congemina no húmus da fala recolhida. As ameias são um bálsamo que se aferrolha no vagar do isolamento. Um enclave emancipado da terra totalitária. Refúgio ou condenação.

Justapõem-se os pesares que se atiram contra o timoneiro hasteado. Não se cuida da semântica entremurada, que cultiva as suas herméticas regras. O forte escarpado denuncia o cerco, mas é o objeto mais desejado, por mais que o abjurem, por mais que se oficialize a sua pária condição. Os estamentos não se confirmam, pois não há hierarquias consabidas. Ao manjar diletante soma-se o esquecimento como mnemónica dos mandantes. Humildes, curvam-se perante os tribunos imunes à crispação. Do alto do rochedo isolado, os verbos iconoclastas não chegam a ser cidadela. 

Depois da manhã, quando o estado iracundo dos acossadores atinge o epílogo, as nuvens perdem os esteios. Combinam juras fáceis, os resistentes. Chamam-lhes insubmissos, mas eles preferem a lógica da rebeldia. Não se empenham nem consentem o entardecer do pensamento. Preferem o juízo em causa própria. É o juízo que conhecem. Preferem-no ao pensamento avulso de que não têm conhecimento. Que ninguém os acuse de parcialidade. Não são imunes ao desconhecido. 

Um dia, alguém ofendeu Gibraltar. Queria-o de volta, mas não se cansava de o injuriar. Ajuramentaram-se os trajes de gala para duelo que ficaria imortalizado. Não havia lugar ao erro. O mínimo descuido podia ser fatal. Mesmo assim, de véspera tornaram-se amigos da boémia e cuidaram de se entregar à ebriedade. Dizia-se que era um ritual dos pleiteantes. No dia combinado, Gibraltar não se amestrou ao desejo dos poderosos. Ficou provada a saga do fraco que se faz forte e derrota o que à partida era mais forte.

As fronteiras que desenham o promontório são difíceis de distinguir. Por mais que aspirem beatitude, desconfiam dos eremitas que prometem redenção a troco de dependência. Para ser dessa forma, não era Gibraltar. A deferência não quadra com a linhagem de Gibraltar. O rochedo que se distingue na paisagem. Ou que compõe a marca distintiva da paisagem apetecível. 


The Flaming Lips, “My Religion is You”, in https://www.youtube.com/watch?v=2g8QTpvY5_Y

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