Algumas associações de pais convidaram os filhos à rebeldia. Convidaram-nos a fazer greve aos trabalhos para casa (TPC) marcados pelos professores. Devem ser daquela gesta de novos pedagogos para quem a aprendizagem passa mais pelo lazer, não tanto pelos métodos que cimentam uma cultura de trabalho. Da forma como o mundo anda, já nem sequer é de pasmar a iniciativa. Hoje foram os petizes a fazer greve aos TPC, como amanhã podemos ver o governo em bloco a fazer greve contra a incompreensão manifestada pelo país, contra a perseguição que se diz alvo da comunicação social (da não controlada pela PT…), contra as diabruras sem fim agendadas pelos partidos da oposição.
Quando vi imagens de jovens a serem entrevistados, testemunhei um chorrilho de queixumes: as aulas já ocupam muitas horas por dia, ainda têm que dedicar mais tempo em casa para fazerem os TPC, tudo isso furta tempo precioso para poderem descomprimir, impede-os de fazerem o que realmente gostam – o entretenimento. As lamúrias ecoam sem cessar: têm o tempo muito ocupado para a tenra idade em que ainda navegam. Não querem ser émulos dos adultos que se queixam do tempo que escasseia, de não conseguirem viver a vida nas coisas belas, nos prazeres extra-profissionais que ela oferece.
Amparados pelos novos pedagogos que não se cansam de apregoar revolucionários métodos de ensino, que cada vez têm menos de ensino e mais de outra coisa qualquer, os meninos protestaram contra a carga de trabalhos. Como protestam contra as aulas de noventa minutos, contra os exames, contra os professores quando eles não estão do seu lado, contra o ministério nas decisões que atentam contra os seus interesses – que são sempre no sentido do facilitismo, desprezando o rigor em que o sistema educativo deve estar empenhado.
Causa-me estranheza este combate das novas gerações. Primeiro, tenho sentido que os alunos chegam aos bancos da universidade com preparação medíocre. A culpa vem de trás, do laxismo com que o ensino é olhado no ensino básico e secundário. Uma vez feitos alunos universitários, muitas vezes o choque é brutal. Quando pensam que a universidade é uma mera extensão do ensino secundário (uma espécie de “13º ano”), sentem na pele a impreparação acumulada em anos de escola. Não conseguem lidar com a maior exigência da universidade. Os primeiros resultados de exames trazem a frustração. Muitas vezes trazem também a desmobilização que leva a elevadas taxas de abandono nas universidades.
Nada disto sucedia se, em níveis anteriores, os alunos fossem educados noutra cultura, se fossem enaltecidas as virtudes do trabalho. Não vou desmerecer a validade do entretenimento. Nem me apetece contestar as peregrinas ideias de que o ensino deve ser prazer, e que sempre que o ensino entrar em conflito com o prazer deve ser dada primazia ao entretenimento. Apenas digo que de tanto se apostar nesta “pedagogia” as suas vítimas são os próprios alunos que supostamente pensa beneficiar. É responsável por um hiato tremendo: entre a saída da escola e a entrada na universidade. Verdade seja dita, apenas naquelas universidades onde a cultura do facilitismo ainda não se instalou. Onde ela já assentou arraiais, o hiato é ainda mais grave: estabelece-se entre a saída do ensino e a entrada no meio profissional. Um sistema de ensino assim caracterizado produz pessoas sem preparação nem maturidade para enfrentar os desafios da selva profissional.
Segundo, os progenitores que defendem as facilidades não agem em proveito próprio (se se admitir que eles querem o melhor para os filhos). Os pais sabem que a vida profissional é cada vez mais exigente (a menos que sejam funcionários públicos, onde as mordomias andam de mão dada com o laxismo, e a falta de brio profissional é latente). Sabendo-o, clamam por mais tempo livre para as crianças, apostam num sistema que as furta dos deveres de trabalho e da cultura de rigor. Em síntese, não são amigos dos seus filhos por se demitirem de lutar por um sistema que os prepare melhor para os desafios do futuro.
Talvez seja mais fácil aos pais das novas gerações fazer sempre as vontades aos filhos. É mais cómodo, por não terem que aturar a pedinchice dos filhos. É caso para dizer que o tempo livre dos filhos – as horas a fio a jogar educativos jogos de Playstation – é o tempo livre dos pais. O tempo em que não têm que aturar os filhos; mas também o tempo da irresponsabilidade de educar os filhos numa cultura de facilidades que sabem, por experiência própria, não ser aquela que os seus filhos vão encontrar lá fora.