É por causa das manobras sinuosas do processo apito dourado que nos podemos chamar uma república das bananas? Também. É por causa de uma justiça não tão cega como vem nos manuais, por resvalar para uma preocupante parcialidade quando toca a julgar figurões da política? Também é por isso que nos pespegamos o rótulo de república das bananas. Com o perfume terceiro mundista que o rótulo exala.
Falta o clima tropical, as águas cristalinas e cálidas, as tempestades súbitas com a sua fúria momentânea, as mornas e outros sons que sugerem a calmaria dos dias de calor húmido, os frutos como as papaias, o coco, as mangas, etc. Faltam os generais entretidos com as manobras políticas, sempre exercendo tutela sobre os políticos corruptos que açambarcam riqueza enquanto o grosso da população vegeta na miséria indigna. Não temos palácios presidenciais sumptuosos, rivalizando em opulência com os palácios presidenciais ou reais de países ricos. Mas temos outros traços de terceiro mundismo cristalinos como a água.
Não vale a pena falar de um povo inculto. A iliteracia não é exclusiva de países do terceiro mundo. Basta recordar a incultura geral do cidadão médio dos Estados Unidos, em especial a confusão mental causada pela geografia mundial. E lembrar o episódio, já tantas vezes contado, de como os norte-americanos estão convencidos que Portugal é uma província de Espanha, ou como outros asseveram que Madrid é capital de Portugal. Não merecem atenção os tiques de ostentação de riqueza, a feira de vaidades incessante que passa na televisão e é matéria-prima de um abastado segmento da comunicação social – a imprensa cor-de-rosa. Esvoaçantes arrivismos sociais, com personagens saídas do mais grotesco recôndito do imaginário dos nossos pesadelos, invadem as parangonas e fazem-se invejáveis exemplos para um exército de outros monstrozinhos que aspiram subir na escala do estrelato social. Nem que não tenham onde cair mortos. Tudo isto – e muito mais –, sinais do terceiro mundismo enraizado.
Por hoje, apenas um pequeno nada sintomático da matriz terceiro mundista que nos domina: as novas cores da TAP. Os aviões da “transportadora nacional” (mais um dos lugares comuns que nos enchem os ouvidos, na convocação do brio nacionalista; como se esta fosse a única “transportadora nacional”…) estão, aos poucos, a mudar de cores e de logótipo. A anterior imagem já tinha vários anos e sofria do desgaste da rotina instalada. Os especialistas de imagem terão concluído, em nosso nome, que estávamos cansados do anterior “livery” da TAP. A mudança é chamada a terreiro para afastar a monotonia semeada pela rotina, para refrescar as mentes e arrebitar a vivacidade das nossas vidas. Há quem acredite que é essencial lavar a cara dos “ícones” da idiossincrasia nacional. A TAP será um deles – apesar dos sucessivos anos de rombos financeiros, metendo a mão no bolso do contribuinte para salvar o mastodonte mal gerido.
Agora a TAP aparece com mais verde e menos vermelho. O verde apresenta-se numa tonalidade verde alface que não encontra eco na cor certificada pela bandeira nacional. Há que não o esquecer: as cores da “transportadora nacional” desde sempre representaram as cores da bandeira nacional. Não só o verde ganhou a faceta alface, como o vermelho se tornou mais garrido. O resultado final é uma paleta de cores que remete para a composição policromática folclórica das bandeiras dos países africanos ou caribenhos. Nada me move contra estes países. Alguns deles – em especial nas Caraíbas – seriam pousos ideais para uma reforma dourada. O que me intriga é como nos esforçamos por pertencer ao clube dos países desenvolvidos e depois resvalamos para mil e um sinais de terceiro mundismo.
No fundo, estamos a meio caminho entre dois mundos. Aspiramos à condição de país rico. Miragem que se distancia com a passagem do tempo e a sucessão de incompetentes governos. Acabamos por ser a ponte – e não apenas geográfica – entre a miragem do que queremos ser e o mundo subdesenvolvido que tem em nós uma porta de entrada no oásis das esperanças infindáveis.
Se estamos mais próximos do mundo próspero ou do mundo miserável, depende da perspectiva. Para alguns, torna-se inacessível entrar na elite da prosperidade. Definhamos no desperdício de oportunidades, esquecendo que abaixo de nós vive uma imensidão que permanece esquecida. Para os que insistem em cultivar a grandeza pátria, são os imensos que estão pior o chamariz para a auto-estima nacional. Para mostrar que podíamos estar pior, sinal do auto-comprazimento por termos chegado onde chegámos. Nem que isso signifique esquecer, por conveniência, que o passado é um cemitério de erros que negaram prosperidade. Este optimismo forjado é o pior sinal de terceiro mundismo.
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