São um espécime execrável. Insidiosos, fazem-se notar pela predisposição em lamber o chão que vamos pisar de seguida. Nas suas mãos, ficamos nos píncaros, quase entidades divinas. Eles desmentem um dos predicados da revolução francesa – a igualdade –, pois os tratos de polé que dedicam às entidades cujo ego massajam mostram que a igualdade não passa de uma miragem, e bem distante.
Estão em todo o lado. Há aqueles que nos tratam com indiferença se aparecemos desengravatados. Mas se no dia seguinte aparecemos de fatiota aprumada e gravata com estilo, logo muda o comportamento: a começar pela deferência de tratamento (“senhor doutor” para isto, “senhor doutor” para aquilo), finalizando nas atenções que o título concita. Há os que cultivam a cadeia de poder e se desfazem em vénias defronte do chefe, passando o espanador pelos locais onde o chefe senta o rabo, na elegia da chefia.
No universo dos lambe botas há três exemplos que me tocam pessoalmente. O primeiro é o dos restaurantes de primeira água, com uma estratégia de sedução do cliente bem estudada. Não tenho nada com os predicados de educação dos empregados de mesa. Entre um empregado de mesa com atenções excessivas e um empregado de mesa bronco, descuidado e desconhecedor da higiene, prefiro o primeiro. Mas há excessos que me irritam. O melhor exemplo é quando o repasto é servido e, passados uns minutos, o empregado de mesa (ou o chefe) se desloca até junto dos comensais e pergunta, delicadamente, se a refeição está a gosto.
Sei que a irritação pessoal pode ser apenas uma manifestação do mau feito que por aqui abunda. Neste momento, podia estar a ser flagelado pela contra-argumentação: diriam os que compreendem as multiplicadas atenções, que o empregado de mesa apenas se preocupa com a qualidade do que foi servido ao cliente. Quer saber se o preço que vai pagar compensa os atributos dos pitéus servidos. Tenho uma interpretação alternativa: quando o chefe de mesa chega cheio de salamaleques e interroga se está tudo a contento, está à espera que o cliente diga que sim. Ao dizer que sim, o restaurante enche-se de brio: e conclui que arrebatou mais um cliente. No fundo, quando o chefe de mesa se acerca dos amesendados e pergunta se estão satisfeitos com o lauto manjar, esta é uma forma disfarçada de puxar a graxa aos clientes. Uma forma alternativa de ser lambe botas.
Segundo exemplo: os alunos que se desdobram em elogios ao professor. Perturba-me: porque convivo mal com elogios (não é falsa modéstia, é apenas o incómodo que sinto quando os ouço, acometido pelo súbito desejo de me enfiar no buraco mais próximo); e reparo que há no rol de elogios a sensação de passar a escova pelo lombo do professor, uma tentativa para o domesticar, para conquistar a sua generosidade quando for chegado o momento crucial da avaliação. Àqueles espécimes que abusam na arte de lamber as botas, apetece-me perder a imparcialidade na avaliação. E penalizá-los, pesadamente, só para contrariar o indisfarçável dislate de quem ostenta a faceta de lambe botas, sem pudor pelos demais que o olham de soslaio.
Último exemplo: em tempos exerci funções de coordenação de uma das licenciaturas. Geria os recursos humanos do curso – por exemplo, a distribuição das disciplinas pelos professores. Alguns colegas não se coibiam de exercer pressão de forma despudorada. Alguns pediam-me para lhes atribuir a disciplina A ou a disciplina B. Um tinha a atitude típica do aluno que lambia o chão por onde passava, se necessário fosse. Deixei de exercer aquelas funções. A criatura em causa deixou de me cumprimentar sequer. Do oitenta ao zero, num ápice. O paradigma de como se é lambe botas de forma oportunista. Como, abandonadas as funções que me empossavam num poder que só os outros julgavam ser imenso, aquela criatura me passou a dedicar a mais profunda indiferença. Se há pior lambe botas, é este. O lambe botas que o é quando lhe convém e faz de conta que não conhece o anterior alvo quando ele perde o poder, logo, o interesse em mimar.
2 comentários:
Pensei que também ia falar na política, nos inúmeros valetes, escudeiros, mordomos, porta-malas, secretários, ajudantes de campo e assessores, que transitam de líder em líder, apoiam com o mesmo frenético entusiasmo e fundamentalismo o favorito de ocasião, unicamente para garantir que estão sempre dentro da carruagem do poder, no Partido, no Parlamento, no Governo, na Administração Pública, ou nas empresas do Estado. São do pior que existe na política: carreiristas, sem coluna vertebral, de lealdade flexível (leia-se desleais), interesseiros ao limite e, muitas vezes, medíocres e incompetentes. Mas são estes cromos repetidos que se eternizam na cena política. Os líderes vêm e vão, outros protagonistas e figurantes passam, mas estes cromo repetidos estão sempre na caderneta. Normalmente, combinam as características de lambe-botas, parasitas e venenosos.
O que mais me espanta, é que há sempre líderes políticos que aceitam os préstimos de quem serve sempre o dono de ocasião e que sabe que não hesitará em trair ou abandonar o navio se achar que tal é necessário para se manter à tona.
Rui:
Como nunca estive na política, não posso falar destes escroques tão bem retratados por si.
Aliás, essa é mais uma razão (entre muitas) para estar nos antípodas da política partidária.
PVM
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