Gostava de conhecer a maneira como os outros países que foram potências coloniais tratam os países que estiveram sob a sua alçada. Para tecer uma comparação com o paternalista Portugal que não se consegue desprender de uma consciência que tutela os passos dados pelas ex-colónias. Só para ver se há diferenças. E se as diferenças, caso existam, se explicam por uma dor de consciência de uma descolonização mal feita (apesar de Mário Soares estar convencido do contrário), ou por muita gente ainda não estar mentalizada que a descolonização se fez. Possivelmente, os laivos de paternalismo têm outra justificação: descolonizámos mais tarde, as feridas ainda não cicatrizaram. Daí os imperativos morais que assomam com mais intensidade.
O paternalismo neo-colonial por vezes confunde-se com uma catarse patrioteira. São exercícios de garbo nacionalista que aumentam a auto-estima pátria. No fundo, uma efabulação umbiguista: o paternalismo neo-colonial que se resume a puxar o lustro aos predicados da portugalidade pouco se interessa com o bem-estar dos povos das ex-colónias. Egocentrismo puro, portanto.
É em relação a Timor-Leste que o paternalismo neo-colonial se eleva ao expoente máximo. Decerto por ser o “mais jovem país do mundo” – como a comunicação social que romantiza o idílico caso timorense gosta de apregoar, – decerto por Timor ser a última ex-colónia a ascender à qualidade de país independente. Sem perder de vista a carga emocional: a dolorosa conquista da independência, depois dos timorenses se libertarem do jugo indonésio, com muitas mortes arroladas num mar de sangue donde emergiu a independência. É em relação a Timor-Leste que, por entre uma aura de misticismo, se afirma uma portugalidade perene. Pode Timor-Leste ser um país soberano, mas os laços com o ex-colonizador são indeléveis. Ruborescem quando a crise visita os timorenses.
São os mesmos que enchem o peito de brio, quando escutam os apelos sentidos dos timorenses para que chegue ajuda do longínquo Portugal, que se recusam a aceitar a tese de que Timor-Leste é um Estado falhado. Podem ser as dores pós-parto, de um parto tão doloroso que o recém-nascido parece ter saído prematuramente da incubadora. Que ninguém ouse afirmar que os costumes, a forma como a sociedade timorense está organizada (tribalismo), ou o anacrónico modelo escolhido pelo partido do governo, que parece ter parado no tempo ao recuperar tiques estalinistas, que ninguém ouse afirmar que estes são os motivos do falhanço de Timor independente. Obnubile-se a imagem que se vê, com uma frequência preocupante, da incapacidade dos timorenses se regerem a si mesmos.
Por entre a aura romântica, com os heróis que a comunicação social gosta de fabricar, Timor continua a batalhar pela existência. Penando, é certo. Com o sacrifício de tantas vidas humanas, que pagam o preço – o preço muito elevado – da independência. Dir-se-ia que Timor tem o estigma do muito sangue vertido em seu nome. Falta saber se faz sentido que cada vida ceifada o tenha sido em nome de um país que os que partiram nunca hão-de ter a delícia de sentir independente. Mas esses são contos de outro rosário.
O que me intriga é a ingenuidade dos timorenses, que regressam ao passado e convocam a ajuda de quem os colonizou quando as horas são de crise. E o pérfido aproveitamento que por cá se faz desse lancinante apelo, como se fôssemos os salvadores de um pátria acabada de nascer. A retórica oficial é esclarecedora: enviamos a GNR para pacificar o território, ajudando a causa condoída dos timorenses. Uma missão divina, a diferença que marcamos em relação aos interesseiros australianos, nós, os Messias de Timor-Leste. Lá atrás, bem escondida, a verdade toda: os pequenos sinais que os jornalistas enviam, no penhorado agradecimento que os timorenses não se cansam de dedicar aos lusitanos; o excelente acolhimento que nos dedicam; e como todos estes sinais fazem bem, tão bem, para hastear a bandeira do orgulho em sermos portugueses.
Podem-me censurar pelo cepticismo militante, pela descrença na genuinidade da missão dos latagões da GNR que espalham pacificação pelo território timorense. Aos que antes espalharam as sementes da conspiração de interesses económicos (porque a desestabilização terá sido encomendada pela Austrália, que parece não ter gostado de saber que Timor ia formar uma empresa estatal para refinar petróleo), um repto: por acaso acreditam que esta ajuda (que, para já, nos custa cinco milhões de euros) não terá recompensas para os interesses económicos lusitanos?
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