Há momentos em que os fracos, acossados por um súbito acesso de falta de auto-confiança, se defendem puxando pelos galões. À falta de argumentos, acreditam que os galões fazem fé da sua superior condição e chegam para sentenciar uma discussão. Sem o saberem, é a confissão de uma profunda fraqueza. Demitem-se da discussão invocando as patentes na arte de que se dizem mestres. Não vencem pelos argumentos que não sabem manobrar, mas pelo embrulho com que aparecem ornamentados.
Exemplos destes invadem a atmosfera com alguma frequência. Uma aluna que faz requerimentos que começam com a ameaçadora fórmula “eu, fulana, advogada com a cédula profissional número…”. Talvez pensando que lhe dão razão só por ela brandir os galões de ilustre causídica. Como se ser advogado neste país ainda fosse – como o foi num passado que já vai distante – estatuto para orgulhar quem o é. Ou a pesporrência de outra criatura que se arroga o direito de julgar a competência de alguns dos seus professores, pairando acima dos seus colegas, dando palpites sobre quem deve ser demitido e porquê. Invoca a pós-graduação em não-sei-quê que diz estar a frequentar numa qualquer universidade espanhola para semear a sua altiva razão.
A este tipo de atitude chamo covardia intelectual. A necessidade de reforçar ideias e de convencer quem se quer convencer pela apresentação do brilhante cadastro. Não valerão os argumentos por si. Ou se valem, vêm acobertados pela inestimável chancela dos galões exibidos. Como dizia no início, contam mais os galões que o mérito dos argumentos. Pela parte que me toca, o esforço maior para impedir que a parcialidade seja o critério. Quando dou de caras com criaturas deste calibre, o instinto leva-me a desvalorizar o argumento que apresentam. Afinal não deixo de estar em sintonia com essas criaturas, tão empenhadas em mostrarem o quão importante são e como essa suposta relevância empresta mérito aos argumentos, por norma tão falíveis.
Pode ser apenas estratégia. Pode não estar no sangue desta gente mostrar a folha de serviços antes de provarem com palavras e ideias articuladas o que pretendem alcançar. Seja como for, é uma má conduta. Por mostrar que vivemos num lugar onde muita gente se deixa seduzir pelos galões puxados por criaturas pouco escrupulosas. Parece vingar a ideia de que as influências de pessoas importantes podem mover montanhas, o que basta para inclinar o plano para uma decisão que lhes seja favorável. Alguns destes especialistas na arte de embalsamar argumentos em ameaçadoras patentes ainda têm o despautério de cultivar o sagrado valor da igualdade. Talvez sem saberem, são a prova viva que a desigualdade nos é congénita, irrefutável.
É uma questão educacional, numa terra que foi ensinada a venerar os figurões, os doutores, os que chegam à edacidade do poder, nem que seja por uns feéricos meses. Temos que os respeitar mais que o anónimo à nossa frente na fila dos correios. Ensinam a arte do beija-mão, para que esses importantes cavem um fosso ainda maior em relação aos comuns mortais, na bajulação interminável que sedimenta este feudalismo moderno. São tantas as histórias contadas de boca em boca de figurões que se indispõem se, ao serem servidos num restaurante, ao serem atendidos num hotel, são tratados como um cliente comum. “Não sabe que eu sou?”, é a pergunta disparada na altivez verve da importantíssima figura, nesta paroquial terra que logo a seguir afocinha perante a pesporrência do biltre.
Será mau feitio, ou apenas indigestão pelas mordomias de tratamento que anestesiam a vida destas eminências. E pelo acobardamento que uma educação falsamente igualitária nos instila. Seja pelo que for, tenho uma relação difícil com estes espécimes que ostentam com inigualável garbo a sua tão elevada importância. Quando posso, tenho para eles a solução ideal: vão para o fim da fila, em homenagem a esse princípio tão caro ao pensamento politicamente correcto dos nossos dias – a discriminação positiva (dos que ficam à margem das genuflexões que tresandam a podridão).
4 comentários:
Hummm ja estava na altura de alguém colocar um freio na cavalgada que se vem assistindo desde o início do curso! Se com certos ditos docentes essas mesmas doutorices e importâncias até vão resultando, e de que maneira! Vê-se agora a Doutora posta num plano de igualdade com os restantes comuns e vulgares companheiros de turma (pois nem todos somos iguais), não é que sejamos inferiores, muito pelo contrario, desde que matriculados como alunos, esperamos todos o mesmo tratamento se assim podemos chamar, por parte de quem esta responsável por nos incutir alguma sabedoria. Por minha opinião a culpa desta mania da superioridade, não advêm apenas da Doutora, mas sim de todos aqueles que ao longo de 4 longos anos, tem vindo a considerar dentro de uma sala de aula, um aluno como doutor, estando o professor e aluno em posições de igualdade? E os restantes alunos, serão alunos bastardos? Deste ponto de vista saliento que desta forma só se alimenta um ego que por si já não deve ser nada pequeno…
Respeitosamente me despeço com uma satisfação enorme de ver que existe ainda personalidade por trás de um ou muitos canudos,ou títulos de Doutor.
Aproveito para referir que o meu anonimato não se deve a receios de qualquer especie, mas sim por respeito, a uma turma que por poucas vezes o teve por parte dos docentes, que permitiram Doutorices durante tanto tempo.
Anônimo disse...
Hummm ja estava na altura de alguém colocar um freio na cavalgada que se vem assistindo desde o início do curso! Se com certos ditos docentes essas mesmas doutorices e importâncias até vão resultando, e de que maneira! Vê-se agora a Doutora posta num plano de igualdade com os restantes comuns e vulgares companheiros de turma (pois nem todos somos iguais), não é que sejamos inferiores, muito pelo contrario, desde que matriculados como alunos, esperamos todos o mesmo tratamento se assim podemos chamar, por parte de quem esta responsável por nos incutir alguma sabedoria. Por minha opinião a culpa desta mania da superioridade, não advêm apenas da Doutora, mas sim de todos aqueles que ao longo de 4 longos anos, tem vindo a considerar dentro de uma sala de aula, um aluno como doutor, estando o professor e aluno em posições de igualdade? E os restantes alunos, serão alunos bastardos? Deste ponto de vista saliento que desta forma só se alimenta um ego que por si já não deve ser nada pequeno…
Respeitosamente me despeço com uma satisfação enorme de ver que existe ainda personalidade por trás de um ou muitos canudos,ou títulos de Doutor.
Aproveito para referir que o meu anonimato não se deve a receios de qualquer especie, mas sim por respeito, a uma turma que por poucas vezes o teve por parte dos docentes, que permitiram Doutorices durante tanto tempo.
O problema está, não só em quem puxa dos galões, mas em quem se curva atento, venerador e obrigado à vista das ditas insígnias.
Nunca mais me esquecerei de chegar uns minutos (3-4) depois da hora do encerramento à secretaria da Univ. do Minho, quando era finalista. Lusitanamente, tentei a minha sorte pela porta de serviço, sendo desagradavelmente por uma funcionária. Expliquei ao que ia: tratar de umas formalidades inerentes às funções de monitor de Inglês para que havia sido convidado. Para meu espanto, fui tratado de Dr. e Eng. (no joke, apesar de explicar que não era uma coisa nem outra, mas sim um finalista que era monitor) e conduzido para o gabinete do chefe de secretaria. Não me deram hipóteses: fui prontamente bem atendido.
P.S. Posso brincar com a história da cédula de advogada? Não resisto. Na próxima divergência futebolística que tivermos, vou começar assim: "Eu, Rui Miguel Ribeiro, Sócio nº 11.035 do Sport Lisboa e Benfica...". O Paulo, vergado então à minha arrasadora superioridade de estatuto futebolístico, pedir-me-á humildemente desculpa pela sua condição de "vil lagarto". I can hardly wait!
Esperar sentado, é a sina de quem o fizer.
Se nem aos “estatutos sérios” (advogados e quejandos, que os pavoneiam) ligo, muito menos a estatutos despiciendos…
PVM
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