No cinema, o ecrã ilumina-se para a publicidade que antecede o filme. Espectador de um anúncio que nunca tinha visto passar na televisão – na escassa vigília que faço à televisão. Imagens frenéticas acompanhadas por dizeres desconexos. Corpos que se entrelaçam, numa sugestão de momentos quentes, íntimos. As frases sucedem-se a uma velocidade vertiginosa. Começam sempre por “faço”. “Faço sentado”, “faço depressa”, “faço à luz das velas”, “faço, faço, faço”.
Se ainda restassem dúvidas acerca do que se anuncia que se “faz” por ali, o epílogo do anúncio desfaz as incertezas: é uma campanha de acompanhamento sexual para os jovenzinhos que sejam assaltados por dúvidas do foro. Anuncia-se um telefone gratuito. Do outro lado, um generoso funcionário público acoitado no Instituto Português da Juventude (IPJ) se encarregará de exercer o paternalismo sexual que o Estado omnipresente com as cores berrantes do socialismo não se dispensa de pôr em prática.
Estes socialistas são uns anacronismos. Devem viver com um desfasamento temporal de trinta anos. Se a curiosidade me levasse por diante, gostava de saber a frequência das chamadas telefónicas para o número de terapêutica sexual gratuita. Logo num tempo em que os jovenzinhos se aclimatizam com a sexualidade em tenras idades, logo agora que a informação está como nunca acessível. Os impensáveis socialistas que idealizaram este serviço de terapêutica sexual para a juventude são a nova leva de moralistas. Não pregam uma moralidade bafienta, como a católica. Mas pregam a moralidade em que se investem, do alto do seu sacerdócio de serviço público, para que os outros (todos nós, os servidos) os vejamos como entidades com sapiência divina.
A iniciativa tem o odor da intrusão, com o convite para que os jovenzinhos atormentados por problemas de sexualidade os desvendem a estes desinteressados terapeutas que desfiam o seu incomensurável altruísmo. Não consigo deixar de imaginar como estes funcionários públicos com o cartão de sócio cor-de-rosa se empoleiram num patamar de suprema importância. São os conselheiros mor das patologias sexuais da juventude lusitana – pelo menos dos escassos e ingénuos que caírem na esparrela de discar o número de telefone do aconselhamento sexual do IPJ, mais os filhinhos e sobrinhos de dedicados militantes da causa cor-de-rosa encaminhados para telefonemas vários, só para justificar a existência do serviço. Os terapeutas do IPJ são os depositários dos segredos que os jovenzinhos não ousam revelar ao parceiro, aos familiares, aos amigos mais chegados. O que basta para explicar a preocupação com a iniciativa.
Que ninguém se admire se doravante fervilhar um novo segmento do mercado livreiro: obras de autores anónimos com escabrosas revelações sexuais. Acobertados no anonimato, os funcionários públicos pastoreiam os segredos sexuais dos incautos que se servirem do “aconselhamento sexual” do IPJ. Densa matéria-prima para obras literárias com mercado garantido.
Admito que esta actividade, disfarçada sob o manto do altruísmo, me causa desconfiança. Por ser uma intrusão na intimidade das pessoas. Para mais, de pessoas que estão a atravessar o processo de formação de personalidade, logo mais sensíveis, mais expostas a palavras que sejam ditas pelos terapeutas do outro lado do telefone.
De repente, sou acometido por uma visão. Imagino-me a trabalhar com adolescentes, na escola, numa agremiação cultural, num clube. Imagino-me a desencadear entre os discípulos o boicote do serviço de propaganda encapotada do socialismo, que fazem crer ser inevitável para os nossos destinos. Cada um teria a tarefa de telefonar para o número gratuito do IPJ, simulando o problema mais impensável que se pode supor. Só para os dedicados funcionários públicos ficarem com a cabeça em água. A subversão iria mais longe: à laia de cadeia humana, cada discípulo seria incumbido de incentivar os seus amigos a entupirem a terapêutica sexual do IPJ com problemas que não lembram ao diabo.
Como liberal assumido, neste domínio acredito mais nos mecanismos de mercado. Nem que seja nos filmes pornográficos.
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