Recrudesce o conflito, mais um, entre Israel e os extremistas árabes semeados à volta do território israelita. As lições do passado valem zero. Em vez de se valorizar a memória de guerras idas, com a contabilidade dos mortos e da destruição de bens, falam mais alto as feridas não cicatrizadas, o ódio perene ainda e sempre motivado pela hedionda religião. Começa outra escalada. De acto em acto, adensam-se as nuvens plúmbeas de outra guerra que há-de levar vidas inocentes que nada têm a ver com a espiral de violência fomentada pela cegueira de ambos os lados.
As análises da geopolítica da região entretêm-se com a justificação das acções da facção preferida. Pouco me importa o exercício. De ambos os lados há culpas na espiral de violência. Procurar saber quem teve razão para inculpar a outra facção como provocadora primeira, é tentar descobrir se foi o ovo ou a galinha que apareceu em primeiro lugar. Um exercício inútil.
O médio oriente é um barril de pólvora onde o ódio germina em toda a sua pujança. Dir-se-ia que é o laboratório ideal para cultivar a inanidade humana. A agonia da estupidez humana, que em ataques suicidas ou em defesas intrusivas não hesita em dar passos em frente no precipício que não demora. De passo em passo até à queda livre, em pleno precipício. Nessa altura, darão conta que não há como recuar. Talvez então reconheçam, tarde demais, todo o passado imbecil que ambos lavraram.
Repito: é desprezível justificar as acções dos israelitas como dos extremistas árabes. É fácil arregimentar argumentos que sustentam a causa de cada lado da barricada. Enquanto houver quem perca tempo na legitimação das acções de um lado ou do outro, os atentados suicidas hão-de continuar, os ataques da aviação israelita hão-de persistir. O pior dos saldos terá honra de notícia: as imagens escabrosas de um mercado israelita destruído por uma bomba envergada por um extremista palestiniano, corpos esventrados espalhados por todo o lado, o odor pestilento da morte que chegou a destempo para pessoas inocentes, cuja única mácula foi terem nascido com a nacionalidade israelita. Ou os ataques cirúrgicos da aviação de Israel, que não são tão cirúrgicos e consomem a vida de palestinianos também inocentes nesta guerra de ensandecidos.
Passam-se as marcas do razoável quando os meios, todos os meios, justificam os fins. Ontem vi imagens de um exaltado coronel judeu a proclamar a necessidade de fazer tábua rasa do “código de honra” do exército: não ceifar a vida de civis inocentes apanhados no meio do fogo cruzado entre a estupidez belicista. Não demorou a fazer efeito a proclamação: poucas horas mais tarde, nove canadianos residentes no sul do Líbano foram mortos após um raid aéreo da infalível aviação de Israel. Estranho que nem o governo do Canadá tenha protestado, nem o governo de Israel tenha sequer apresentado um pedido de desculpas, nem que fosse com a estafada retórica das “vítimas colaterais” que tudo parece justificar em tempo de guerra.
Nove vidas irrecuperáveis. Não podem ser o altar sacrificial onde o governo de Israel justifica a urgência em se proteger contra os ataques terroristas que partem do Líbano. Só faltava alegar que os nove canadianos que já não verão o dia de amanhã davam guarida a extremistas palestinianos…No rescaldo de tantas vítimas coleccionadas neste infindável conflito, estas nove vidas serão uma vírgula insignificante, dirão os complacentes com a guerra. Talvez seja o contrário. Porventura será excessivo, porque se trata “apenas” de “mais nove”, e porque se dá o caso de serem pessoas que não estão envolvidas com nenhuma das partes em conflito. O problema é de quem considerar que se trata de “apenas mais nove”. Nem que fosse “apenas mais uma” – canadiana, ou de qualquer outra nacionalidade.
Enquanto as vidas humanas continuarem a ser o combustível que alimenta mais ódio recíproco e atira mais achas para a fogueira do conflito, serei incapaz de reconhecer razão a qualquer das partes envolvidas. Ingenuidade minha, decerto, mas continuo a não encontrar as fontes de legitimidade de desavenças que dão azo à morte de pessoas inocentes. Tão simples como isto. Quanto ao resto, apenas a expressão de um egoísmo: que os ódios se consumam entre israelitas e palestinianos, sem que os tentáculos deste absurdo conflito atinjam outras zonas. Mal seria se uma estupidez humana geograficamente circunscrita se propagasse para outras zonas, elas feitas vítimas colaterais de uma irracionalidade sem fronteiras.
4 comentários:
Compreendo a revolta, mas não percebo a surpresa. It's always been like that...
Talvez por não ser um realista (nas RI); porventura por ser ingénuo ao ponto de me sentir dilacerado quando vejo imagens das “vítimas colaterais” de todas as guerras que são tão estúpidas.
Paulo
Não acredito que sejas ingénuo. Acho que tens é sentimentos, e se calhar mais do que deixas transparecer.
Um dos "problemas" da guerra contemporânea é que as pessoas foram sendo convencidas que, embora seja má, a guerra é cada vez mais asséptica: bombardeamentos cirúrgicos, bombas inteligentes, aviões não pilotados, evitar danos colaterais, baixas zero. E muitos progressos foram feitos nesse campo, mas a guerra asséptica, salvo melhor opinião, não existe. Por isso, por muito justificada que seja e por muito bom que seja o seu desfecho, envolverá sempre sangue, sofrimento, miséria, destruição e morte.
Por tudo isso, não seremos (humanos) antropófagos de nós mesmos? Não é a guerra – qualquer que seja: justa ou absurda, ofensiva ou defensiva – a pedra burilada da estupidez humana?
PVM
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