Já por diversas vezes escrevi aqui sobre a bestialidade humana quando, por nos julgarmos espécie superior, sentenciamos os animais irracionais à condição de instrumentos das necessidades humanas. Faz-me lembrar os arautos da civilização ocidental, que proclamam a incontestável superioridade da dita por comparação às demais, assim votadas à condição de civilizações menores. Os mesmos que depois aplaudem demoradamente a condenação à morte de um sanguinário ditador. Nem vale a pena sublinhar que sejam fautores da pena de morte, sem repararem na torpeza de um Homem retirar a vida a outrem (em que circunstâncias seja). Pior é aceitarem a mesma prática que sempre condenaram no ditador que acaba de ser sentenciado com a pena de morte.
Parece incompreensível a comparação com as pessoas que convivem pacificamente com os inomináveis sacrifícios de animais indefesos. A comparação faz-se com a prosápia de quem se acha feitor da superioridade moral e depois não percebe a indignidade dos actos que sacrificam inocentes animais. Num caso como no outro, a moralidade desmascarada.
O contexto: ontem recebi um e-mail que apelava à subscrição de uma petição (em http://www.petitiononline.com/ftmlopes/) para afastar a estilista Fátima Lopes das passagens de moda enquanto teimar em utilizar peles de animais nas indumentárias por ela criadas. O texto que introduz a petição tenta sensibilizar os destinatários, explicando o que se passa no doloroso cativeiro a que estão remetidos os animais que têm a desdita de trajar apetecíveis peles:
“o que a maior parte das pessoas desconhece é que os animais caçados ou criados para poderem “dar” as peles para casacos de luxo são tratados de forma terrivelmente desumana, criados em condições de sofrimento horríveis, e mortos das maneiras mais atrozes, chegando mesmo a ser esfolados ainda vivos para que a pele não perca brilho”.
Ao entrar no sítio onde está alojada a petição, há a indicação de um filme que documenta como são tratados os animais, como são cruelmente mortos. O filme está em http://www.peta2.com/takecharge/swf/fur_farm.swf. Confesso que não tive a coragem para o visionar. À memória vieram imagens chocantes à entrada de uma estação de metro em Londres, onde activistas dos direitos dos animais expunham fotografias dos sacrifícios em animais que vivem em cativeiro à espera de experiências científicas, como cobaias necessárias da indústria de cosméticos. Lembro-me como essas imagens chocantes permaneceram vivas durante longas horas. Pelo bem-estar pessoal, preferi a hipocrisia de não abrir o filme. O aviso que o filme contém imagens chocantes dissuadiu-me.
Os activistas dos direitos dos animais por vezes conseguem mobilizar alguns representantes do mundo da moda, os manequins que passam as vestes criadas por estilistas, no protesto contra o uso de peles de animais na indústria da moda. Há um elemento folclórico que deve ser descontado: os manequins desfilam nus. A mensagem enviada é clara: eles e elas despem-se das suas roupas, sinalizando um esboço do sacrifício imposto aos animais selvaticamente despojados das suas peles, para comprazimento pessoal de dondocas. Que ou são insensíveis ou estão desapossadas de mínimos de inteligência para perceberem a vilania de trajarem vestuário ornamentado com as peles roubadas a animais entretanto mortos.
Esses desfiles provam como as mortes de animais indefesos são um acto carregado de inutilidade. A juntar à futilidade de quem se adorna de peles de animais, sem olhar às questões de estética que poderiam estender a discussão por outros caminhos. Eu, que não sou dado aos folclores típicos deste género de manifestações, quando dou conta que o ser humano continua na senda da estupidez ao sacrificar inutilmente animais indefesos, apetece-me oferecer à causa o meu esbelto corpo desnudado (enfim, quase desnudado; o pudor exigiria que as partes íntimas – ou as “partes podengas”, como outrora afirmou um célebre árbitro de futebol, nos tradicionais atentados à língua portuguesa que vêm daquelas paragens… – estivessem escondidas, nem que fosse por uma discreta peça de roupa interior).
Já não me recordo que escritor afirmou em tempos: “quanto mais conheço o Homem, mais gosto do cão”. Pode ser um lugar comum para culminar este texto de perplexidade pela indignidade do Homem. Seja. A conclusão é inevitável: os que se gabam de sermos a única espécie de animais racionais perdem a razão quando sancionam a irracionalidade de matar animais irracionais para gáudio do ego imbecil de alguns humanos que se deixam embevecer pelo vestuário feito com peles de animais.
É por isso que me interrogo se animais (na conotação pejorativa da palavra) não serão os Homens que aceitam que a moda se sirva destes sacrifícios impostos a animais felpudos.
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