1.11.06

Um hino à anti-publicidade

Surpreende uma campanha publicitária que se distinga pela simplicidade, até pelo minimalismo. Logo hoje, que os produtos anunciados escondem a sua verdadeira qualidade detrás do biombo publicitário, tão sofisticado que leva a audiência a sobrevalorizar o veículo (a publicidade) e a esquecer-se do conteúdo (o produto publicitado).

Vem isto a propósito de uma campanha publicitária do óleo Vêgê. Na televisão passa um anúncio espartano: do fundo branco perpassa o tom asséptico do anúncio. Uma rapariga inexpressiva vai debitando umas palavras com pouco sentido. Os mentores da campanha preferem sublinhar os predicados do que vendem em vez de gastarem rios de dinheiro em campanhas que recorram ao último grito da tecnologia. Dir-se-ia que a opção foi a de apresentar o produto sem a maquilhagem da publicidade sofisticada. A rapariga põe uma pedra no assunto: a Vêgê reconhece que o produto é bem melhor que o anúncio.

Este spot minimalista faz pensar. Aposto que a comunidade de publicitários deve andar às voltas com este anúncio. Por o considerar herético, porquanto a simplicidade do conceito deixar entender que a profissão de publicitário passaria a estar aberta a qualquer aprendiz que soubesse conjugar as palavras num português escorreito. Temendo a banalização da sua função, não me admiraria ver a comunidade de publicitários a flagelar sem piedade a campanha da Vêgê.

Ao ver o anúncio televisivo ao óleo Vêgê, mais os cartazes espalhados nas paragens de autocarro, surge uma interrogação: do alto da sua simplicidade desarmante, será esta campanha um hino à anti-publicidade? A resposta depende da contextualização da publicidade. Se o que interessa é orientar a bússola pelos padrões estabelecidos, em que a publicidade é cara, sofisticada, utilizando os recursos tecnológicos mais avançados – aí temos que ver a campanha da Vêgê como protótipo da anti-publicidade (pelo menos da moda publicitária enraizada).

Todavia, há uma maneira diferente de olhar o assunto. Se a publicidade é feita da mesma evolução que o tempo regista nas mentalidades e nas preferências do público e dos mentores das campanhas, porventura a campanha da Vêgê não ilustra a antítese da boa publicidade. No spot televisivo e nos cartazes afixados em paragens de autocarro destaca-se a simplicidade do conceito, a mensagem lapidar: a preocupação está em enfatizar as qualidades do produto publicitado, não da publicidade que o divulga. Não sei se estou errado na interpretação desta campanha: enviar um sinal claro, à comunidade de publicitários, de que mais importante que vender o embrulho (a publicidade) é destacar o conteúdo (o produto publicitado).

No domínio da publicidade atingimos um patamar de tanta sofisticação que difícil é conceber a simplicidade. Há na mensagem minimalista da Vêgê uma tentativa de evitar que o veículo publicitário seja uma agressão para o destinatário. Em vez de entrarem pelos olhos imagens coloridas, uma sucessão frenética acompanhada por uma música que entra facilmente no ouvido (mas que é uma xaropada musical), ou – como acontece com assiduidade nas campanhas de produtos dirigidos às donas de casa – um anúncio ridículo que não é primoroso para o quociente intelectual das donas de casa, os anúncios da Vêgê optaram por um caminho diverso.

Também se pode dar o caso da escolha do minimalismo conceptual ser uma estratégia preconcebida dos publicitários contratados pela Vêgê. Para chamarem a atenção do público pelo teor diferente da campanha, que aposta num direito à diferença em relação aos padrões estabelecidos e que, assim, poderá ter a potencialidade de seduzir a audiência – e, logo, atingir o objectivo final, o aumento das vendas do óleo Vêgê. Falta saber se a intenção foi mesmo a de romper com o estabelecido e enveredar por um novo paradigma de publicidade, ou apenas um engodo aos consumidores que ficam atraídos pela simplicidade da campanha.
A opção heterodoxa do óleo Vêgê remete-me para a antítese da gente que nos governa. Esses só dão atenção à imagem divulgada, como se governar fosse apenas proclamar solenes anúncios de projectos que só o futuro se encarregará de provar se foram ou não até ao final. Muito papel de celofane para escassa substância. Muito messianismo do timoneiro infalível, que se alcandorou a um estatuto providencial porque lhe calhou em sorte uma maioria absoluta (e Santana Lopes, que a ofertou em bandeja). Este governo devia pôr os olhos na campanha publicitária da Vêgê. Falar menos, aparecer muito menos em operações cuidadosamente orquestradas com o beneplácito de uma imprensa que não se cansa de prestar vassalagem. Em vez, disso, fazer mais e, de preferência, melhor.

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