Como barómetro da importância da gastronomia, também há modas que se sucedem no tempo pela persuasão de chefes de cozinha, os que vingam no protagonismo. O corpo tem necessidades orgânicas que empossam a culinária num lugar de destaque. Haverá quem coma apenas para sobreviver, sem atribuir importância à gastronomia. Muitos mais serão os que aproveitam o acto de ingerir comida para salientar os aromas e sabores. São os que festejam a gastronomia, dela fazem um festim. É então que a culinária entra em cena para agradar os sentidos que o organismo humano acentua. Não é só instinto de sobrevivência: muito além disso, é entronizar os paladares. Mais hedonismo.
A gastronomia fina destaca-se por alguns modismos desconhecidos à cozinha vulgar. Não se encontram nos restaurantes corriqueiros cuidados de apresentação como na gastronomia de vanguarda. O empratamento é uma arte. Nunca como agora fez sentido afirmar que os olhos também comem. Os cuidados de apresentação dos pratos são uma arte à parte na gastronomia vanguardista. Os cozinheiros não se limitam a combinar ingredientes e sabores. Não cuidam apenas de confeccionar os pratos na medida certa, sem que os ingredientes percam características por levarem calor a mais. São artistas plásticos que compõem uma paleta de cores quando finalizam o cozinhado com o empratamento que o embeleza. Dominam várias artes: mestres na confecção dos alimentos, pintores (pelas cores que combinam no empratamento) e arquitectos (pois um prato tem que ser sabiamente composto).
Há nisto um simbolismo: quando o chefe faz o empratamento, é ele que decide quanto vão os comensais ingerir. Não é como nos restaurantes tradicionais, onde o cozinhado chega à mesa numa travessa e cada comensal se serve na quantidade e nas vezes que o saciar. Na gastronomia fina, quem se amesendar come o que o chefe decidir. Numa leitura filosófica da nova gastronomia, diria que não se compadece com a liberdade individual. Os liberais serão insurgentes contra esta gastronomia, porque a liberdade de escolha fica-se pelo momento da leitura da ementa.
Haverá leitura contrária, decerto: em vez dos restaurantes tradicionais, que enfartam alarves e dão um contributo inestimável para colesteróis e hipertensões dos amesendados que não conseguem ter tento na gula, agora há restaurantes que educam na moderação alimentar. É a sua ajuda para uma dieta mais acertada nas quantidades ingeridas. Ajudam o coração e aligeiram-nos de adiposidades. E a carteira também, que estes restaurantes são dispendiosos. Sobretudo para os que olham para a relação quantidade-preço.
Outro traço típico desta gastronomia é a transformação das ementas em momentos de fino recorte literário. Elas são palavrosas, calhamaços que têm o condão de cansar a vista aos comensais e de lhes instalar a dúvida na escolha do prato degustado. Já não trazem os nomes dos pratos. Agora as iguarias são fartamente descritivas. Ao menos a moda dos detalhes narrativos das ementas tem uma virtude: dispensa as perguntas ao empregado de mesa quando não sabemos o que consta do equívoco nome de um prato. Os empregados de mesa deixam de ser cicerones pela cozinha.
Por exemplo, o meu almoço de hoje já não aparece plasmado na ementa com um espartano “bacalhau à Braz”. Se é que este prato é oferecido num restaurante de gastronomia vanguardista (o que duvido, a menos que o seja numa recriação inventiva), seria inscrito na ementa desta forma: “bacalhau desfiado emulsionado em azeite perfumado em alho grosseiramente esmagado, cubos de bacon, pimenta preta moída na altura, folha de louro e posteriormente acamado em batata frita palha com um acabamento de ovo que se talha em lume brando, pincelado com coentros frescos”.
Como os tempos vindouros são sarcófagos dos modismos vigentes, no futuro haverá lugar a outros modismos gastronómicos. Não falo da emergente gastronomia molecular, que está muito além do que é hoje vanguardista, com as suas criações que tratam a culinária como domínio da ciência, com ajuda da química e de muito azoto líquido. Voltando às ementas, adivinho que no futuro vão ser ainda mais exaustivas. Ao ponto de cada prato caber numa página, com descrição detalhada de todos os passos na sua confecção, de todos os ingredientes e respectivas quantidades, do tempo de confecção e da elucidação de possíveis truques para a iguaria ser um triunfante pedestal da gastronomia. Será a total democratização da culinária. Até para satisfazer a febril protecção dos consumidores que exige total transparência na informação.
Todos seríamos, então, gourmets e chefes de cozinha em potência.
A gastronomia fina destaca-se por alguns modismos desconhecidos à cozinha vulgar. Não se encontram nos restaurantes corriqueiros cuidados de apresentação como na gastronomia de vanguarda. O empratamento é uma arte. Nunca como agora fez sentido afirmar que os olhos também comem. Os cuidados de apresentação dos pratos são uma arte à parte na gastronomia vanguardista. Os cozinheiros não se limitam a combinar ingredientes e sabores. Não cuidam apenas de confeccionar os pratos na medida certa, sem que os ingredientes percam características por levarem calor a mais. São artistas plásticos que compõem uma paleta de cores quando finalizam o cozinhado com o empratamento que o embeleza. Dominam várias artes: mestres na confecção dos alimentos, pintores (pelas cores que combinam no empratamento) e arquitectos (pois um prato tem que ser sabiamente composto).
Há nisto um simbolismo: quando o chefe faz o empratamento, é ele que decide quanto vão os comensais ingerir. Não é como nos restaurantes tradicionais, onde o cozinhado chega à mesa numa travessa e cada comensal se serve na quantidade e nas vezes que o saciar. Na gastronomia fina, quem se amesendar come o que o chefe decidir. Numa leitura filosófica da nova gastronomia, diria que não se compadece com a liberdade individual. Os liberais serão insurgentes contra esta gastronomia, porque a liberdade de escolha fica-se pelo momento da leitura da ementa.
Haverá leitura contrária, decerto: em vez dos restaurantes tradicionais, que enfartam alarves e dão um contributo inestimável para colesteróis e hipertensões dos amesendados que não conseguem ter tento na gula, agora há restaurantes que educam na moderação alimentar. É a sua ajuda para uma dieta mais acertada nas quantidades ingeridas. Ajudam o coração e aligeiram-nos de adiposidades. E a carteira também, que estes restaurantes são dispendiosos. Sobretudo para os que olham para a relação quantidade-preço.
Outro traço típico desta gastronomia é a transformação das ementas em momentos de fino recorte literário. Elas são palavrosas, calhamaços que têm o condão de cansar a vista aos comensais e de lhes instalar a dúvida na escolha do prato degustado. Já não trazem os nomes dos pratos. Agora as iguarias são fartamente descritivas. Ao menos a moda dos detalhes narrativos das ementas tem uma virtude: dispensa as perguntas ao empregado de mesa quando não sabemos o que consta do equívoco nome de um prato. Os empregados de mesa deixam de ser cicerones pela cozinha.
Por exemplo, o meu almoço de hoje já não aparece plasmado na ementa com um espartano “bacalhau à Braz”. Se é que este prato é oferecido num restaurante de gastronomia vanguardista (o que duvido, a menos que o seja numa recriação inventiva), seria inscrito na ementa desta forma: “bacalhau desfiado emulsionado em azeite perfumado em alho grosseiramente esmagado, cubos de bacon, pimenta preta moída na altura, folha de louro e posteriormente acamado em batata frita palha com um acabamento de ovo que se talha em lume brando, pincelado com coentros frescos”.
Como os tempos vindouros são sarcófagos dos modismos vigentes, no futuro haverá lugar a outros modismos gastronómicos. Não falo da emergente gastronomia molecular, que está muito além do que é hoje vanguardista, com as suas criações que tratam a culinária como domínio da ciência, com ajuda da química e de muito azoto líquido. Voltando às ementas, adivinho que no futuro vão ser ainda mais exaustivas. Ao ponto de cada prato caber numa página, com descrição detalhada de todos os passos na sua confecção, de todos os ingredientes e respectivas quantidades, do tempo de confecção e da elucidação de possíveis truques para a iguaria ser um triunfante pedestal da gastronomia. Será a total democratização da culinária. Até para satisfazer a febril protecção dos consumidores que exige total transparência na informação.
Todos seríamos, então, gourmets e chefes de cozinha em potência.
1 comentário:
Pois este fim de semana, nas terras resguardadas do Soajo, decidi "testar" uma iguaria que já há muito tempo andava com para lhe "meter as mãos": "caldo de leguminosas vermelhas com têmpera de linguiça em cama de sepiidas frescas; final reduzido com perfume de coentros frescos moídos na altura". Os comensais aplaudiram mais o vulgo "feijoada de chocos". E ficaram clientes...
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