Não há ano que passe sem um punhado de notícias que dão conta de episódios de violência em parlamentos. Ontem foram imagens de pancadaria no parlamento da Bolívia. Se fosse para serem levadas a sério, dir-se-ia que são imagens de uma tragicomédia lamentável. Dir-se-ia que os senhores deputados, sejam ou não os seus países ditos “civilizados”, deviam dar o exemplo de urbanidade, deviam ser os primeiros a repudiar a violência. E, repudiando-a nos discursos, seria impensável que se abraçassem uns aos outros sem que o fizessem como prova de afecto.
Insisto: nem os parlamentos devem ser levados a sério, para que os seus actores não reclamem para si um estatuto de inimputabilidade. É por isso que adoro ver imagens de parlamentos de países exóticos com uma revoada de pancadaria a correr vários deputados. Convém dizer que detesto a violência, qualquer que seja a sua manifestação – desde a violência gratuita dos que só sabem falar através dos punhos cerrados, passando pela violência verbal e psicológica que sitia as suas vítimas, até à violência das autoridades que não sabem exercer o poder, abusando dele, sem esquecer a violência de grupelhos folclóricos que a acham indispensável para ser reposto o que consideram ser justo. Mas fico deliciado ao ver as cenas de pugilato e pontapé em jeito de carateca versado que vêm de parlamentos de sítios distantes e pouco conhecidos – sim, que os senhores deputados dos ditos “países civilizados” seriam incapazes de se enlamear em exibições de putrefacta violência.
Acho estranho que as pessoas estranhem quando passam no ecrã imagens de deputados a levantar o braço e a desferir um soco em adversários. Estranho a estranheza, porque os deputados são, como todos nós, comuns mortais. São feitos da mesma carne, é o mesmo sangue que lhes corre nas veias. Que se saiba, não há um grupo sanguíneo exclusivo dos parlamentares. Chegados a este ponto, convém recordar o que vem nas enciclopédias e nos manuais para descrever o regime político dos países com parlamentos: democracias parlamentares representativas. Os deputados são representantes dos eleitores. E como dignos representantes, o que se espera é que sejam émulos dos representados. Se forem feitos de uma massa diferente do povo que os elege, perde-se o rasto à representatividade. O que está errado é colocar os deputados num pedestal, como se o facto de representarem os eleitores os eleve a uma condição sobre-humana. Afinal, uma das falácias herdadas da revolução francesa, e cultivada com insistência pelas teimosas esquerdas, é a igualdade. Se representados e representantes são iguais, porque hão-de deputados ao soco e pontapé ser indignos da instituição parlamentar?
Todos os dias a violência é uma excrescência que vai sendo exalada, escorreita, da espécie humana. Há violência na delinquência dos furtos, na violência conjugal, na destemperada forma de ser de adolescentes inconsequentes, nos trágicos homicídios que não cessam de acontecer. Há a violência estúpida do desporto, quando o desporto perdeu identidade com os ideais olímpicos e cega fanatismos. Como indigna é a violência cometida em nome das religiões, negando o papel apaziguador que o putativo deus semeou no Homem. A violência goteja a meio de uma discussão de ideias quando alguém perde argumentos e resolve a contenda com a força dos braços. Olhamos para todo o lado e estamos cercados por manifestações infindáveis e repetitivas de violência. Nos locais menos esperados, nas circunstâncias mais surpreendentes. Num semáforo, entre dois condutores de automóveis que prolongam uma discussão empregando a força dos punhos.
É de estranhar que toda esta violência se contagie a deputados? Continuo a supor que os deputados não são extraterrestres, que são feitos da mesma têmpera dos eleitores. Se somos todos da mesma massa, não há indignidade que os parlamentos sejam palco de estalada, soco e pontapé, com algumas deputadas fazendo jus à tradição das mulheres que se engalfinham puxando vigorosamente os cabelos umas às outras. Episodicamente, os parlamentos são arenas de wrestling, para gáudio de uma audiência que exulta por ser espectadora dos dotes de lutador de deputados com o sangue na guelra.
É nestes momentos que o povo se convence que a democracia só tem méritos: nem é tanto a possibilidade de escolherem através do voto; é mais por saberem que os que escolhem e pousam os ossos ilíacos nos confortáveis assentos do parlamento não são assim tão diferentes do povo anónimo.
Insisto: nem os parlamentos devem ser levados a sério, para que os seus actores não reclamem para si um estatuto de inimputabilidade. É por isso que adoro ver imagens de parlamentos de países exóticos com uma revoada de pancadaria a correr vários deputados. Convém dizer que detesto a violência, qualquer que seja a sua manifestação – desde a violência gratuita dos que só sabem falar através dos punhos cerrados, passando pela violência verbal e psicológica que sitia as suas vítimas, até à violência das autoridades que não sabem exercer o poder, abusando dele, sem esquecer a violência de grupelhos folclóricos que a acham indispensável para ser reposto o que consideram ser justo. Mas fico deliciado ao ver as cenas de pugilato e pontapé em jeito de carateca versado que vêm de parlamentos de sítios distantes e pouco conhecidos – sim, que os senhores deputados dos ditos “países civilizados” seriam incapazes de se enlamear em exibições de putrefacta violência.
Acho estranho que as pessoas estranhem quando passam no ecrã imagens de deputados a levantar o braço e a desferir um soco em adversários. Estranho a estranheza, porque os deputados são, como todos nós, comuns mortais. São feitos da mesma carne, é o mesmo sangue que lhes corre nas veias. Que se saiba, não há um grupo sanguíneo exclusivo dos parlamentares. Chegados a este ponto, convém recordar o que vem nas enciclopédias e nos manuais para descrever o regime político dos países com parlamentos: democracias parlamentares representativas. Os deputados são representantes dos eleitores. E como dignos representantes, o que se espera é que sejam émulos dos representados. Se forem feitos de uma massa diferente do povo que os elege, perde-se o rasto à representatividade. O que está errado é colocar os deputados num pedestal, como se o facto de representarem os eleitores os eleve a uma condição sobre-humana. Afinal, uma das falácias herdadas da revolução francesa, e cultivada com insistência pelas teimosas esquerdas, é a igualdade. Se representados e representantes são iguais, porque hão-de deputados ao soco e pontapé ser indignos da instituição parlamentar?
Todos os dias a violência é uma excrescência que vai sendo exalada, escorreita, da espécie humana. Há violência na delinquência dos furtos, na violência conjugal, na destemperada forma de ser de adolescentes inconsequentes, nos trágicos homicídios que não cessam de acontecer. Há a violência estúpida do desporto, quando o desporto perdeu identidade com os ideais olímpicos e cega fanatismos. Como indigna é a violência cometida em nome das religiões, negando o papel apaziguador que o putativo deus semeou no Homem. A violência goteja a meio de uma discussão de ideias quando alguém perde argumentos e resolve a contenda com a força dos braços. Olhamos para todo o lado e estamos cercados por manifestações infindáveis e repetitivas de violência. Nos locais menos esperados, nas circunstâncias mais surpreendentes. Num semáforo, entre dois condutores de automóveis que prolongam uma discussão empregando a força dos punhos.
É de estranhar que toda esta violência se contagie a deputados? Continuo a supor que os deputados não são extraterrestres, que são feitos da mesma têmpera dos eleitores. Se somos todos da mesma massa, não há indignidade que os parlamentos sejam palco de estalada, soco e pontapé, com algumas deputadas fazendo jus à tradição das mulheres que se engalfinham puxando vigorosamente os cabelos umas às outras. Episodicamente, os parlamentos são arenas de wrestling, para gáudio de uma audiência que exulta por ser espectadora dos dotes de lutador de deputados com o sangue na guelra.
É nestes momentos que o povo se convence que a democracia só tem méritos: nem é tanto a possibilidade de escolherem através do voto; é mais por saberem que os que escolhem e pousam os ossos ilíacos nos confortáveis assentos do parlamento não são assim tão diferentes do povo anónimo.
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