O progenitor desdobra-se em redor da piscina, os dois olhos dividindo-se por ambos os filhos. A matreirice dos petizes não dá descanso. Obriga o cuidado a usar a voz de comando, o vozeirão que condiz com o aspecto coriáceo do progenitor. Uma voz que impõe respeito e cauciona a prudência dos petizes. Neste sítio em que o mais importante é a exibição das aparências, estou para perceber se a voz trovejante do procriador ecoava piscina fora como predicado da cautela dos petizes, ou para os restantes perceberem que havia ali tratamento das crianças por “você” – o ufano sinalizar do tratamento que só as pessoas bem situadas na escala social usam no relacionamento com a descendência.
Não discuto hábitos de educação – logo eu, que sou pela descentralização da educação, pela mínima interferência dos poderes públicos na educação que os pais, e sobretudo eles, devem consagrar às crianças. A moda, que as ditas pessoas altamente situadas na escala social pavoneiam, de tratar por “você” os filhos, é para mim misterioso enigma. Ainda que sobre o modismo – que o código comunicacional contagia-se entre a tribo que faz parte, ou aspira a fazer parte, da “elite social” (no que a expressão queira significar) –, permanece ininteligível a razão do tratamento tão distante, impessoal, de pais para filhos. Se é verdade que a escolha que fazemos, nas relações pessoais, entre o “tu” e o “você” diz muito da proximidade com as pessoas, mais se adensa o mistério que envolve a tribo que insiste em tratar a descendência por “você”.
Fui educado no tratamento mais liberal: lá em casa sempre imperou o “tu”, de pais para filhos e entre filhos e pais. Percebo que certos progenitores eduquem os descendentes de forma diferente, impondo o “você” quando estes se lhes dirigem. Será a rédea curta que garante o respeito dos mais novos, ou apenas o hábito legado de geração em geração. Mais incompreensível é o altivo “você” que domina a comunicação entre progenitores e descendentes. Apenas me incomoda à audição, sem a pretensão de convocar a fobia regulamentadora dos socialistas que habitam nos engenheiros sociais que nos apascentam. E incomoda-me, duplamente, pois conceder este tipo de tratamento a um filho mostra uma relação distante, ambígua, como se houvesse um inacessível altar que separa pais de filhos. O “você” é o castelo onde se refugiam os progenitores, o lugar onde jamais os filhos hão-de entrar. A caução da intimidade inatingível na relação filial.
Ou pode este tratamento dedicado aos filhos representar somente um modismo social. A coisa pega-se e, entre a tribo que presunçosamente chama a si a tão importante condição de “elite social”, o “tu” foi banido do relacionamento pessoal. Não é só entre filhos. É entre pares: entre amigos de longa data ou “amigos” de conveniência, entre familiares, até entre homem e mulher que partilham mesa e cama e família. Gostava de perceber as raízes de tão impessoal tratamento. Onde tudo começou e por que razões o “você” imperou no relacionamento com familiares a amigos, destruindo a barreira que existe entre eles e os outros, aqueles a quem as pessoas comuns dedicam o tratamento por “você”. O excessivo formalismo vai contra a corrente de um povo que se diz pertencer à família dos povos latinos, aos quais a informalidade é mais genética. A prática desmente-o. Conheço mais informalidade, mais convivialidade no trato, em Inglaterra do que entre os espécimes que se dizem pertencer à tão afamada “elite social”.
A praga do “você” nem pode ser contextualizada através de uma importação de costumes brasileiros. É lá que o tratamento ganhou foros de generalização, pois o “tu” inexiste. Nem podem os arautos do impessoal “você” lusitano argumentar que os brasileiros são expoentes da informalidade e mesmo assim só usam aquele tratamento. Os linguistas e sociólogos dariam, em duas penadas, o contexto do “você” brasileiro, o que seria suficiente para o desconfigurar com o “você” lusitano. Enquanto por cá o “tu” existir, decerto entre as camadas mais néscias da população e entre aqueles que teimam em deslizar dos carris da verborreia tão típica da “nata social”, o “você” não terá a dimensão que ganhou no Brasil. A analogia pan-atlântica fica excluída.
Talvez seja um modismo passageiro. Uma questão de gerações, na pior das possibilidades. Uma forma da “nata social” se distinguir dos demais, com um código de conduta que cimenta pertenças (ou aspirações). Falta saber se o “você” com que a descendência é agraciada em público coincide com o tratamento na intimidade do lar. Já agora, ao jeito de exercício especulativo para rematar: o casal persiste no “você” quando se envolve no calor dos lençóis?
Não discuto hábitos de educação – logo eu, que sou pela descentralização da educação, pela mínima interferência dos poderes públicos na educação que os pais, e sobretudo eles, devem consagrar às crianças. A moda, que as ditas pessoas altamente situadas na escala social pavoneiam, de tratar por “você” os filhos, é para mim misterioso enigma. Ainda que sobre o modismo – que o código comunicacional contagia-se entre a tribo que faz parte, ou aspira a fazer parte, da “elite social” (no que a expressão queira significar) –, permanece ininteligível a razão do tratamento tão distante, impessoal, de pais para filhos. Se é verdade que a escolha que fazemos, nas relações pessoais, entre o “tu” e o “você” diz muito da proximidade com as pessoas, mais se adensa o mistério que envolve a tribo que insiste em tratar a descendência por “você”.
Fui educado no tratamento mais liberal: lá em casa sempre imperou o “tu”, de pais para filhos e entre filhos e pais. Percebo que certos progenitores eduquem os descendentes de forma diferente, impondo o “você” quando estes se lhes dirigem. Será a rédea curta que garante o respeito dos mais novos, ou apenas o hábito legado de geração em geração. Mais incompreensível é o altivo “você” que domina a comunicação entre progenitores e descendentes. Apenas me incomoda à audição, sem a pretensão de convocar a fobia regulamentadora dos socialistas que habitam nos engenheiros sociais que nos apascentam. E incomoda-me, duplamente, pois conceder este tipo de tratamento a um filho mostra uma relação distante, ambígua, como se houvesse um inacessível altar que separa pais de filhos. O “você” é o castelo onde se refugiam os progenitores, o lugar onde jamais os filhos hão-de entrar. A caução da intimidade inatingível na relação filial.
Ou pode este tratamento dedicado aos filhos representar somente um modismo social. A coisa pega-se e, entre a tribo que presunçosamente chama a si a tão importante condição de “elite social”, o “tu” foi banido do relacionamento pessoal. Não é só entre filhos. É entre pares: entre amigos de longa data ou “amigos” de conveniência, entre familiares, até entre homem e mulher que partilham mesa e cama e família. Gostava de perceber as raízes de tão impessoal tratamento. Onde tudo começou e por que razões o “você” imperou no relacionamento com familiares a amigos, destruindo a barreira que existe entre eles e os outros, aqueles a quem as pessoas comuns dedicam o tratamento por “você”. O excessivo formalismo vai contra a corrente de um povo que se diz pertencer à família dos povos latinos, aos quais a informalidade é mais genética. A prática desmente-o. Conheço mais informalidade, mais convivialidade no trato, em Inglaterra do que entre os espécimes que se dizem pertencer à tão afamada “elite social”.
A praga do “você” nem pode ser contextualizada através de uma importação de costumes brasileiros. É lá que o tratamento ganhou foros de generalização, pois o “tu” inexiste. Nem podem os arautos do impessoal “você” lusitano argumentar que os brasileiros são expoentes da informalidade e mesmo assim só usam aquele tratamento. Os linguistas e sociólogos dariam, em duas penadas, o contexto do “você” brasileiro, o que seria suficiente para o desconfigurar com o “você” lusitano. Enquanto por cá o “tu” existir, decerto entre as camadas mais néscias da população e entre aqueles que teimam em deslizar dos carris da verborreia tão típica da “nata social”, o “você” não terá a dimensão que ganhou no Brasil. A analogia pan-atlântica fica excluída.
Talvez seja um modismo passageiro. Uma questão de gerações, na pior das possibilidades. Uma forma da “nata social” se distinguir dos demais, com um código de conduta que cimenta pertenças (ou aspirações). Falta saber se o “você” com que a descendência é agraciada em público coincide com o tratamento na intimidade do lar. Já agora, ao jeito de exercício especulativo para rematar: o casal persiste no “você” quando se envolve no calor dos lençóis?
1 comentário:
escrevi também sobre este tema:
http://gostamosdisto.blogspot.pt/2013/08/olha-mae-estas-ouvir.html
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