7.8.07

Causas fracturantes, ou demagogia barata?


A juventude socialista afixou um outdoor em defesa dos direitos dos homossexuais. Muito sugestivo: duas meninas, com excelente aspecto para se entregarem no balancete heterossexual, enamoradas uma da outra. Uma delas mordiscando ao ouvido da outra, deixando entrever o sussurro de palavras tórridas que antecipam momentos de acalorado envolvimento dos corpos. Os jovenzinhos socialistas querem situar-se entre os que defendem causas fracturantes. Uns pontos acumulados para o PS, por intermédia voz dos jovens irrequietos a quem é mais dócil colocar na boca o manifesto de uma causa fracturante numa sociedade ainda tão conservadoramente bafienta.

Eu diria que o PS mostra outra vez a sua ambivalência. Regressando à linguagem sexual, o PS é um partido bissexual. Os mais velhos, com responsabilidades na governação da nação, desviaram a bússola para a direita. Tanto que até o líder dos comunistas parafraseia Bagão Félix, imagem omnipresente da direita conservadora, católica e ciente de que o Estado deve ter um papel gigantesco, para mostrar em comício às massas devotas que o PS entrou numa perigosa “deriva direitista”. Mas eis que os jovenzinhos socialistas, borbulhando a rebeldia típica da pós-adolescência, vêm temperar a deriva. Emprestam a sua voz a uma causa fracturante que foi monopolizada pela esquerda caviar. De passagem, a extrema-esquerda deve ter ficado furiosa pela apropriação da causa de que se julgava penhora única. Agora já não está sozinha na defesa dos homossexuais, prática discursiva que garantia tantos votos nos meios urbanos e intelectuais.
Portanto, o PS “dá para os dois lados”. Ora seduz papalvos à direita (se calhar, sem que os papalvos saibam ao certo porque se filiam à direita – ou, sequer, o que é “a direita” de que se dizem seguidores), ora afixa cartazes de generosas dimensões apelando ao funeral do conservadorismo bafiento, abrindo os horizontes a uma modernização loquaz: a igualdade de direitos entre heterossexuais e homossexuais.

Já o disse mais que uma vez: não conseguir simpatizar com a malta do PS, e com o PS como coisa, é uma das maiores frustrações pessoais. Esforço-me, esforço-me, mas o mau feitio impede de destilar a náusea que este notável partido continua a produzir nas minhas entranhas. Olho para o cartaz e ponho-me a pensar: que partido admirável o PS é. Inteligência a rodos. Uma bicada à direita, para seduzir a clientela dos partidos que as convenções soem situar à sua direita; outra bicada à esquerda, deitando mão a uma causa da extrema-esquerda que rivaliza na ocupação de um certo território de arribação. Isto é o que se chama uma estratégia mirabolante. Estamos bem entregues. Com gente desta, a nau há-de chegar a bom porto. Afinal o sebastianismo não pertence ao domínio do imaginário. Há sebastianismos reais, fadados para deixarem o nível das promessas vãs. Há-de o vocábulo “sebastianismo” ser redefinido nos dicionários, mercê da acção deste PS e do seu timoneiro actual.

Olho com atenção para o cartaz e sinto a perplexidade a tomar conta de mim: o viés do cartaz, porque não há apenas casais de homossexuais do sexo feminino. Já sei, houve falta de coragem dos jovenzinhos socialistas. Senão teriam retratado dois homens em pose romântica, coroando o cartaz com o mesmo slogan pró-direitos dos homossexuais. Afinal, os jovenzinhos socialistas devem ser empedernidos marialvas. No imaginário de cada másculo jovenzinho que teve a ideia do cartaz há-de vogar uma mente tomada por uma fantasia sexual: o jovenzinho numa cama a três, com um casal de lésbicas. As jovenzinhas socialistas não participaram nas reuniões onde se fez o brainstorming para o cartaz. Ou apenas terão participado aquelas que professam a orientação sexual retratada no cartaz.

Suspeito dos que puxam os galões como advogados de defesa de uma causa fracturante. Quanto mais se arvoram nessa qualidade, mais desconfio que há ali estratégia que não olha a meios para atingir fins. Desconfio da esquerda caviar quando aparece, ufana, a defender os direitos dos homossexuais. Desconfio: que seja tacticismo pueril para arregimentar fidelidades caninas e encher o bornal de votos. Ingénuos há que confundem a árvore com a floresta e caem na esparrela. Agora foram os socialistas que descobriram a árvore das patacas. Insisto: quem genuinamente se perfila em favor dos direitos dos homossexuais não precisa de se engalanar como tal. O activismo traz consigo a dúvida, se não é um activismo oportunista, um meio para chegar à meta final, desvalorizando a genuinidade daquilo que se diz defender.

Vale para a esquerda caviar como vale, com reforço de causa, para os socialistas. Podem os jovenzinhos socialistas transpirar irreverência pelos poros, que uma sinecura oficial distribuída enquanto os seus mandarem amansa a irreverência. Diagnóstico lapidar: jovenzinhos socialistas abraçados à causa dos homossexuais soa a falso, a demagogia em bruto.

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