5.6.08

“O segredo”


Almoço acompanhado pelo programa para entretenimento de avozinhas que vai até ao noticiário da uma da tarde. A Barbie apresentadora entrevistava dois personagens cheios de assertividade de si mesmos, uma prosápia diletante. Eram os gurus locais de uma seita qualquer que se dá a conhecer como “o segredo”. Um discurso cheio de certezas, pontuado por uma impressionante tranquilidade. Sempre resposta para tudo. E mezinhas para todas as maleitas e problemas que atormentem os aflitos que se convençam a visitá-los, ou consumam o livro que funciona como a bíblica mensagem para a seita. O “segredo” está numa coisa tão simples: o poder da mente.

E desfilavam exemplos de desgraçados que o deixaram de ser a partir do momento em que foram agraciados com os dotes de prestidigitação dos gurus do “segredo”. A Barbie apresentadora, do alto da sua infinita ignorância, arrebatada com discurso tão afirmativo. Os gurus, um de cada vez, sabiam da poda – como articular um discurso convincente, com a voz bem colocada, olhando de frente para as câmaras que os filmavam. Parecia que ensaiavam um hipnotismo hertziano, tentando captar mais clientela que viesse arregimentar a seita que devota a causa.

O que ensinam estes sacerdotes de um sucedâneo de religiosidade? Ensinam, afinal, coisa simples: que o segredo para resolver os problemas que nos mortificam está em cada um de nós, dentro da mente que resguarda as respostas para as dúvidas intermináveis. Tautológico, portanto. Alguém, no seu perfeito juízo, acredita que é nos outros que reside a solução para problemas individuais? Dirão os gurus da coisa ali apresentada que por vezes as pessoas estão tão distraídas que nem sequer dão conta que a resposta se encerra nos meandros até então insondáveis da sua mente. Àqueles sacerdotes compete maximizar o poder da mente de cada um, abrir as portas interiores por onde segredam as respostas que procurávamos em vão. Até se dar o milagre destes gurus, quais entidades divinas, desapertarem os intrincados nós dos segredos que julgávamos insolúveis.

Temos problemas, dúvidas existenciais, nó górdios que colocam a vida num impasse. Para os problemas encontram-se soluções, quando nos é dado encontrá-las. Só que o maravilhoso momento em que marcamos encontro com uma solução para os problemas pode ser apenas uma ilusória satisfação. Se a resposta for uma bússola avariada, é o engodo para os passos que se saldarão numa falácia completa. Sim uma resposta; mas uma resposta errada, uma solução que não resolve o dilema. Os arautos do “segredo”, apenas vendedores de ilusões. É que nem sempre a mente está capacitada para oferecer as respostas. E, no fundo, se tudo é assim tão simples como ali apregoavam, para que servem estes gurus? Dirão: para exercitar as enormes capacidades da mente, tantas vezes desaproveitadas por quem se debate com um rol infindável de enigmas. De fora, com as suas capacidades analíticas acima da média, quase como sobredotados para medir o pulso às capacidades alheias, estão em posição privilegiada para encaminhar a mente para o sítio certo.

São milagreiros, portanto. Uns milagreiros especiais: não arriscam milagres, à laia de bruxos, videntes e quejandos; o milagre que fazem é ginasticar a mente para que ela abra os olhos de quem se encontra paralisado diante de asfixiantes dilemas. Tenho um problema metódico com fautores de milagres alheios. Desconfio de tanta generosidade desinteressada. Causa-me espécie que sejam milagreiros para o rol infindável de problemas que os outros apresentam. Eles não terão problemas próprios, tanta a capacidade para os espaventar.

E desconfio, mais ainda, do que escondem. Ao serem entrevistados pela acrítica Barbie apresentadora – a primeira a cair no hipnotismo colectivo que ali se ensaiava – eram só exemplos de sucesso, pessoas que foram ao seu encontro e tinham conseguido reverter problemas só com o poder da mente. Depois de bem aconselhados pelos gurus, como é óbvio. Pergunta-se daqui: e quantos foram os casos fracassados? Quantas as pessoas cegas pela possibilidade de matarem os seus problemas com a unção mágica dos gurus do “segredo” e que continuaram a ser almas penadas? Qual a proporção de insucesso, quantos os “segredos” que continuaram herméticos?

Ninguém lhes perguntou. As capacidades da apresentadora não autorizavam tanto discernimento. Nem os gurus da seita tiveram a hombridade de revelar que nalguns casos as pessoas que vão até eles não saíram satisfeitas. Quem assim procede não é guru de coisa alguma. Não passa de um charlatão.

1 comentário:

Luís Pontes disse...

Os verdadeiros milagreiros, se os há, já fizeram o seu próprio milagre e estão a esta hora a besuntar a barriga com óleo de côco nalguma praia das Seychelles!

Estes são outra coisa, apesar de eu não ser tão rigoroso na condenação, pois têm uma função social bem importante: preenchem o espaço que ficou entre o padre perdoador e o psicanalista justificador, que vai dar ao mesmo.
(e a foto tem qualquer coisa a mais, dentro do fecho éclair!) :-)

LPontes