13.6.08

The rising sun


(Mais um acto de enamoramento com o crepúsculo da alvorada.)

Já a primeira claridade diluiu a noite. Já a madrugada é a charneira que leva os alvores do dia até aos primeiros raios do sol. Uma frescura retemperadora no ar, a humidade no seu zénite e todo o silêncio cautelar. É quando a fauna leva vencimento sobre os humanos. Pássaros que chilreiam, madrugadores. Coelhos em frenéticos saltos no relvado que mais tarde será tomado pelas pessoas. Gatos em furtiva caça. Patos e gansos e cisnes fora do lago, nos caminhos que por essa hora são sua coutada. E raras pessoas na tão matinal hora.

Os ponteiros do relógio marcam o erguer do sol para as seis horas e um minuto. Quase no equinócio do Verão, quando os dias chegam à sua fase maior, o sol espreita desde o nordeste – contrariando as convenções que fixaram o leste como o lado nascente, o lado de onde o sol se alça desde o seu esconderijo nocturno. Vão andando os ponteiros do relógio, a clepsidra que anuncia o sol que não tarda a irromper. Primeiro uns tímidos raios que vão esbatendo a ruborizada tonalidade, tingindo-se em alaranjados raios. Depois, escala com lentidão no firmamento que se afasta da linha do horizonte de onde despontou, perde a matiz alaranjada como perde a timidez crepuscular. Sobe e perde em dimensão o que ganha em luminescência. Em seu estrépito.

Só que ao tornar-se rei do dia, o sol abdica do seu encanto. Diria que se esgota nuns breves minutos – os instantes em que o sol raia no horizonte e tece uma inebriante luz crepuscular. Os momentos em que se insinua, ainda sem se ver, despejando do seu escondedouro as primeiras emanações de luz que vão emprestando mais claridade ao dia nascente. A sagração da vida. Que a vida é diurna, onde tudo se revela em seu esplendor, sem as máscaras que a noite confere às coisas, às pessoas. Os primeiros gorjeios do sol na paleta de cores em mutação com o arrebatamento dos minutos. O imparável sol que não se detém na rotineira escalada do firmamento, só interrompida nos dias plúmbeos.

O sol que se ergue – ou a possível tradução da inglesa expressão “the rising sun”, sem todavia a tradução captar a essência dos instantes de enamoramento, os breves instantes que trazem uma intensidade de sensações difícil de colocar em palavras (o modesto ensaio destas palavras). O sol que se ergue, uma poética expressão sem palavras a compô-la. A rotineira ascensão pelos alvores do dia é o poema que se compõe no firmamento. Até que o sol toma conta do céu, solta um bafo forte que tinge o dia cálido. O sol estival que tão depressa perde o seu encantamento e absorve um envilecimento manifesto nas pessoas que dele se abrigam.

Não é o sol das longas horas, o sol no seu pino de quentura que aflige os corpos suados, que merece sagração. É o sol na sua infância diurna, o sol gentil na coreografia de cores que se descobre na conquista do firmamento. As golfadas que atira em seus passos rumo ao pináculo do céu são o travo adocicado da vida preenchida, da vida que se almeja em si mesma na plenitude semelhante à do sol que não cessa a marcha triunfante. Como se o corpo tivesse uma saudável embriaguez trazida pela imersão nos matinais raios de sol. O corpo emprestado de um admirável torpor, um paradoxal torpor: a momentânea letargia enquanto os olhos se entregam na contemplação da crepuscular coreografia do sol é o emoliente das dores que os dias costumam fermentar. Um anestesiante que revigora, na dobra de mais uma noite que deixou o corpo preparado para o acto final que entretece o dia tão pleno: a sagração do crepúsculo da alvorada.

O sol que se ergue predispõe. Arvora o corpo, emproado de um encantamento poético – do encantamento de quem assistiu, e de lugar privilegiado, ao parto do dia.

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