A cidade está enxameada de cartazes da candidata socialista já em pré-campanha. A candidata aparece sempre sorridente, dir-se-ia muito sorridente. Como pano de fundo, velhinhos que parecem saídos de um bairro social onde o aparelho do partido tem boa implantação. Ou jovens que ambicionam ser servos do Estado, arrancados a uma secção qualquer da Jota, ecoando o contagiante sorriso da candidata. E a candidata que não para de sorrir. Aquilo não é sorriso. Cavalgou na escala e pertence à gargalhada. Eu percebo a mensagem subliminar. Mas tenho a minha interpretação: ela gargalha porque é um partido tão risível como a adoração que o risível povaréu tem por este partido.
O Photoshop foi a melhor invenção para os políticos fazerem boa figura nos cartazes que os glorificam. Um dos antecessores da candidata Elisa até conseguiu o milagre de aparecer com cabelos grisalhos na peruca. Aprendemos que os capachinhos ganham vida própria e conquistam um punhado de grisalhos cabelos às laterais do crânio. Agora a candidata aparece rejuvenescida depois do retiro no Parlamento Europeu. Devem ser bons ares, lá por Bruxelas e por Estrasburgo. Foram-se as rugas, mas só se foram da fotografia. É como se o tempo não tivesse passado pela senhora, que alguém lhe terá segredado um raro elixir da juventude que varreu rugas do frontispício. Uns dias antes de ser entronizada candidata – aliás, atendendo à pompa e ao cortejo de "personalidades" da cidade, arriscaria que já nem sequer era necessário o desperdício das eleições – tinha sido filmada por uma câmara, em pose distraída, e confirmei que a eurodeputada que quer ser autarca sem perder a hipótese de continuar a ser eurodeputada (não vá dar-se o improvável desfecho da derrota eleitoral) envelheceu e muito, tantas as rugas semeadas no rosto.
Se calhar o ignaro sou eu, mas não percebo como os estrategas do marketing eleitoral se convencem que uma imagem imaculada e pacientemente confeccionada em laboratório com a ajuda da informática, é o segredo para fixar uma candidata no público-alvo. Quando os candidatos aprecem retratados como se tivessem acabado de tomar um prodigioso elixir da juventude, mostram à populaça uma pessoa que não existe. O povaréu gosta de comer gato por lebre? É o que consta, a crer na presciência dos gurus do marketing político e dos spin doctors que sabem da poda toda. Delicio-me com o registo confessional: vendem-nos candidatos num papel de embrulho cheio de lantejoulas e efeitos especiais. Uma patranha inteira. Se estes são os meandros da concorrência eleitoral, ganha força em mim a vocação abstencionista.
Os cartazes multiplicam-se. Nos cruzamentos onde ficamos parados à espera de vez para passar, em esquinas escolhidas a dedo. Sempre com a candidata em cansativo sorriso de orelha a orelha. Uma interrogação para o artista da companhia que faz ciência com o estudo do sorriso dos outros: o sorriso tão amplo é garantia de voto? Os arquitectos da campanha da candidata estão certos disso. O povoléu encanta-se com aquele sorriso tão, tão, tão – como dizer? – refrescante, motivador, cativante, humano. Sim, é isso, a candidata anda sempre a rir, é mulher de sorriso fácil. É disso que as cinzentas pessoas esperam de um futuro autarca. Que traga sempre um sorriso no canto do bolso, que irradie uma simpatia contagiante, que esse sorriso inspirador e a simpatia congénita façam o milagre da boa governação da cidade. É entediante a farsa. Viva o mundo do faz de conta. E nós, eleitores só apaparicados antes que votemos, somos convidados a dar uma perninha na suprema farsa.
Esta sede de estalinismo de imagem incomoda e semeia alguma confusão. Incomoda porque é a apologia da mentira (e é, para todos os efeitos, estalinismo). Confunde, pois costuma-se dizer que as rugas são o sedimento da experiência, um lastro só ao alcance dos que mostram as vicissitudes de uma vida espelhadas no fragor das suas rugas. Por que insondáveis razões se entregam aspirantes a cargos nas mãos de feiticeiros de imagem se faz sentido que a sua imagem seja a fidedigna, não a montagem que esconde dos ingénuos eleitores a verdadeira tempera dos candidatos?
Quem oculta a imagem com este pó de arroz de Photoshop, quanto mais tem a esconder?
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