16.3.09

Será por falta de aranhas que a economia está em crise?


Está uma aranha parada à minha frente. Ocorre-me o adágio popular: aranha por perto é sinal de dinheiro, por certo. Por um momento, deixo em suspenso o cepticismo em relação à suposta sabedoria popular – como se "cultura" e "povo" fossem palavras em sintonia. Ponho a recusa da existência da cultura popular entre parêntesis para interrogar, caso a sabedoria popular fosse coisa consagrada, se esta tão grande crise não se fica a dever à escassez de aranhas, aranhiços e afins.


O povo destaca-se pelas explicações fantasiosas, que se enraízam no fantástico, na crendice pagã que se mistura com uma religiosidade que, nos cânones oficiais, recusa qualquer laivo de paganismo. É nas coisas misteriosas que a sabedoria popular ganha taninos catedráticos. Para fenómenos insólitos, ensaiam-se explicações sobrenaturais. Um imaginário repleto de cargas simbólicas, muitas metáforas impensadas, a demissão de toda a racionalidade.


Por que razão diz o povo que se há uma aranha a rondar é sinal de dinheiro a dar à costa? Por mais voltas que desse, as respostas escapavam-se-me entre os dedos. Incapaz de perceber o elo entre aranhas e abastança. Pelo contrário, a dominante aracnofobia é motivo para dissociar o bicho do bem-estar material. Faço parte do, creio, numeroso grupo que se arrepia com aranhas. No imaginário popular, os aracnídeos são remetidos para um nível inferior quando a simpatia das gentes pelas espécies animais estabelece uma hierarquia.


Foi então que ensaiei uma elucubração que ata as pontas entre aranhas e a crise a que estamos presos. Tive que presumir, a contragosto e só para tornar plausível a assombrosa teoria, que aranhas e dinheiro são palavras que dançam em compasso. Dessa coreografia resulta que a crise, a tão profunda crise que se ultrapassa mais depressa que o bater dos ponteiros do relógio, tem uma explicação linear. Dizem que há crise porque o dinheiro anda arredio. As aranhas ou estão em hibernação, ou foram dizimadas por uma praga qualquer.


A estagnação estende-se com tentaculares efeitos: estagnação de crédito que impede os investimentos, sorvendo a capacidade de produção das empresas; estagnação de crédito que aperta a jugular dos consumidores, treinados nos últimos tempos a viver acima das possibilidades com a chancela do crédito fácil dos bancos. Sem crédito fecha-se a torneira do consumo. Menos consumo semeia nuvens sombrias nas empresas, condenadas a produzir menos, algumas até condenadas à falência. Lá vai o desemprego a subir a ladeira, imparável, na exacta medida que o consumo (dos desempregados) desce o outro lado da montanha a uma velocidade imparável. Parece que as aranhas emigraram para outra galáxia.


Há quem sugira que as autoridades competentes, as que fazem a cirurgia da política económica, devem mandar imprimir dinheiro e depois espalhá-lo do céu através de balsâmicos helicópteros. Pois se é o dinheiro que falta – ou, tomando de empréstimo a língua de trapos dos economistas, é a "falta de liquidez" – ele que seja inventado. Faz parte das prerrogativas de ser Estado: fabricar dinheiro para ser injectado na economia. Fossem tão fáceis os milagres e não havia tempo para colocar a palavra "problema" no dicionário. Já que houve uma primeira utilização de um aforismo popular, continue-se na senda dos ditados consagrados pelo povo para interrogar: "quando a esmola é muita, não há-de o pobre desconfiar"?


Se fosse verdade que as aranhas têm um sobrenatural poder para atrair dinheiro, dir-se-ia que as autoridades encomendaram a cientistas com ar tresloucado uma qualquer manipulação genética com o condão de espalhar no mundo um exército numeroso de aranhas. E, neste texto carregado de adágios populares (contrariando a espessura do autor), não há duas sem três: "se Maomé não vai à montanha, vem a montanha a Maomé" – para sintetizar a maravilha da manipulação genética das notas que, diz-se, escasseiam na economia.


Oxalá me engane, mas receio que os aranhiços de laboratório não sejam senão uma praga destinada a semear outra doença, uma doença bem pior do que a deflação que hoje ameaça: a inflação sem freio. Já que tantos economistas com saudades de Mr. Keynes usam exemplos da história para demonstrar a inevitabilidade do regresso a Mr. Keynes, alguém lhes lembre os devastadores efeitos da hiper-inflação que podem também encontrar ao folhear os anais da história económica. Nessa altura, de tantas aranhas povoarem o terreno, tudo ficou infértil.

Sem comentários: