3.3.09

O bloco central miasmático


Fala-se por aí e não é à boca pequena. Tudo indica que os actuais senhores do poder não vão repetir a maioria absoluta que lhes caiu no colo há quatro anos. Para bem da saúde da democracia que ainda é a matriz do regime. Com a crise persistente e tão profunda, alguns analistas já anteciparam a possibilidade, dizem até, a necessidade, de uma grande coligação entre os dois maiores partidos. O bloco central em esplendorosa e governativa expressão.


Quem faz a proposta dá o exemplo da Alemanha governada por uma grande coligação entre os democratas-cristãos e os sociais-democratas (o equivalente aos socialistas de cá). É frequente: as comparações com outros locais pecam por defeituosa contextualização. Primeiro, comparar a maturidade democrática da Alemanha com a de cá só se for ser anedota. Segundo, seria preciso olhar de perto para a textura dos partidos alemães e compará-la com o PSD e o PS para perceber se a comparação faz sentido. Quando a proposta salta as ameias da simplista comparação geográfica e atende à idiossincrasia pátria é que ela tem algum significado.


Até percebo a sugestão. Tudo se resume ao pragmatismo. O que distingue o PSD do PS? Além das rivalidades intestinas, pois são os partidos que têm alternado no governo, pouco os distingue nos vestígios de ideologia e na escassa doutrinação que ressoa da retórica que envergam. Partidos irmãos, muitas vezes desavindos como acontece aos irmãos que levam divergências às últimas consequências. Pragmatismo, pois. Se são tão idênticos, por que não se aliam para levar a nau pelos bons caminhos, logo agora que nau atravessa uma tormenta tão assustadora?


Os ideólogos da grande coligação agarram-se a outro, no seu entender decisivo, argumento: perante a paisagem desoladora semeada pela crise sem precedentes, impõem-se consensos. Essa palavra tão adorada pelos que se situam ao centro do panorama político – os que ora se inclinam para o PSD, ora votam no PS para mais tarde prometerem o voto ao PSD e assim sucessivamente. Os politólogos dizem que é este eleitorado que decide a alternância de poder. São os adoradores da normalidade, os que cultivam a estabilidade política como bem maior, perfilhando a tese cavaquista. Assustados com a dimensão e a persistência da crise, querem um consenso entre os grandes partidos para, em uníssono, darem resposta cabal à crise. Como se a grande coligação fosse a milagrosa solução para afugentar a crise para as catacumbas de onde não devia ter saído. É uma fé, como outra qualquer.


Discordo, agnóstico como sempre. Se há palavra que envenena esta terra é "consenso". É a metódica via para diluir a discussão de ideias. A forma ideal de conduzir a turba à imbecilidade. Uma armadilha à cívica condição das pessoas. O que se lhes diz é isto: parem de pensar, parem de vasculhar soluções fora da prostração do "centrão", que as únicas plausíveis são as esboçadas pelo "centrão". Não há alternativa às prescrições do bloco central.


O problema é que as comparações internacionais – as que contam mesmo, as que ordenam os países em campeonatos dolorosos porque nos colocam no fim da tabela – não são simpáticas para os ideólogos do bloco central. Não são estes partidos que alternam no poder desde que a democracia foi instaurada há quase trinta e cinco anos? Onde nos levaram os governos desses partidos? Ao vergonhoso estatuto de quem só é campeão dos rankings internacionais se a tabela for invertida.


O bloco central é toda uma turba que se move de um lado para o outro, ora amesendando com gente do PSD quando está na mó de cima, ora de braço dado com gente do PS quando abocanhou o poder. É o pêndulo miasmático do regime. Que tem nomes. Na comunicação social, nas empresas públicas onde se banqueteiam figurões dos dois partidos numa cumplicidade reveladora, entre reputados empresários e intelectuais que se põem ao serviço dos imperativos categóricos que alindam a normalidade do bloco central.


Hoje, nem PS nem PSD aceitam o cenário proposto pelos Bettencourt Resendes que por aí andam. Ninguém quer partilhar o poder antes do tempo. Por mais que ilustres porta-vozes de ambos os partidos façam juras solenes que são tão diferentes como a carne se distingue do peixe, quando chegar o momento de distribuir as comendas, como o estão habituados a fazer quando locupletam o poder e as benesses inerentes, mandarão as juras às malvas. Hoje não convém admitir que são partidos irmãos. Antes do sufrágio, convém mostrar que são desavindos. Mas, ainda, irmãos.


E nós, com uma paciência infinita, sem querermos aprender com as lições de outrora, nas mãos destes irmãos desavindos que fazem o locupletamento do regime, definhando-o.

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