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A senhora ministra da educação, com aquele perene sorriso nos lábios que substituiu a antipática arrogância da antecessora, deu a boa nova nos jornais: os chumbos nas escolas, essa coisa medieval, vão acabar. Em jeito de justificação, as habituais comparações com os outros que são os bons exemplos que devemos seguir. Os países nórdicos, tão parecidos connosco, são o paradigma de sucesso. E lá os meninos nunca sucumbem perante o trauma do insucesso escolar, porque não há bitola que meça o insucesso escolar.
Parece-me uma ideia notável. As crianças e os adolescentes não podem ser traumatizados com a insignificância que é a avaliação dos saberes. Interessa lá que a avaliação seja o acto final do processo de aprendizagem? Renove-se o processo de aprendizagem, para não ferir a auto-estima dos petizes. Ou ainda acabamos, como foi dito pela senhora ministra, por afastar os jovens da escola. Reprová-las não é o sinal de que estudaram pouco; será a sublime mensagem de que a porta da saída da escola está ali, convidativa, a espreitar. Só foi pena que tivéssemos andado décadas e décadas a sacrificar gerações sucessivas com o estigma da reprovação. Imagine-se quanta exclusão (social, portanto; da pior que existe) não foi causada por infundadas reprovações de alunos?
Sim, pode-se garantir que as reprovações são infundadas. Os meninos e as meninas andam um ano inteiro na escola a aprender coisas, sabe-se lá quantas delas manchadas pela abjecção da inutilidade. O tempo de lazer que se lhes rouba quando são obrigados a sentar o rabo nos bancos das escolas a aturar professores desinteressantes e enfadonhos. Em cima de tudo isto, quando chega o fim do ano lectivo ainda esbarram no estigma da reprovação – com a agravante de poder estragar o tempo sagrado das férias que se seguem. Tudo isto é castrador. Um demorado aplauso para a inventiva medida da senhora ministra, pois.
Só acho que a medida fica pela metade quando lhe medimos o pulso à ousadia. A ministra e a equipa de notáveis visionários das “ciências da educação” deviam ir por aí fora. Acabar com as reprovações foi o primeiro acto. Por que não acabar com todo o tipo de avaliações? Assim como assim, elas estabelecem insuportáveis distinções na escola que se filia numa matriz igualitária (esse sonho irrealizável). Ou, ao menos, os exames não deviam resultar em classificações. Outra vez para impedir traumas aos meninos e meninas que ficassem lá para o fundo da lista – que eles não têm culpa que haja aberrações que se metem dentro das suas torres de marfim e queimam as pestanas a ler livros (essas inutilidades). Aliás, este governo podia ficar numa nota de rodapé na historia da pedagogia se fosse mais afoito e, dando corda ao raciocínio sequencial, extinguisse os professores. É que se não há reprovações, deixam de fazer sentido avaliações; e deixando de fazer sentido os exames ao conhecimento, para que existem professores?
Longe dos noticiários na televisão, logo ontem havia de espreitar um. Desta vez fiquei com uma enorme sensação de gratificação interior. Ao ver esta sequência de notícias: a notícia sobre o fim das reprovações nas escolas; uma reportagem sobre um aluno de Bragança que ganhou um prémio internacional de química; e uma notícia sobre burros. Não se sente aqui o odor a conspiração contra o governo?
Desconfio que sei por que foi inventada esta medida. Só tem medo de depor perante avaliações quem, à partida, sabe que muito teme. Os incompetentes, sobretudo, convivem mal com a transparência que denuncia a sua congénita fragilidade. Vale para os alunos, como vale para quem cozinha o sistema de educação, como vale para a equipa toda a que pertence a titular da educação.
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