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Até nisto somos como os antípodas do planeta. Os relógios que marcam os pessoais compassos são de uma fibra diferente. Marcam a cadência em diferentes camadas, como se a ossatura do tempo fosse branqueada por diferentes penumbras da cal. Ora num esgar, ora num mais demorado impasse, em dois relógios diferentes os ponteiros afinam-se no seu compasso alterado. A cadência já se diferenciara na pulsação de ambos. O tempo, esse, passara por eles em diferentes espasmos.
Confirma-se: o tempo significa coisas diferentes para as pessoas que se amotinam nas suas diferenças. As noites não passam pelo mesmo espaço. Os dias são tenazes que coalham a claridade num breve, invernal amplexo. Dias que parecem semanas, ou semanas que se confinam ao quarto tão pequeno que parecem habitadas por uns abreviados dias. Sobra a opressão dos sentidos que se coreografam num passo falso sob a batuta das clepsidras que volteiam os ponteiros em diferentes ritmos. Uma brevidade aqui, entendida ali como uma demora infernal. Os ritmos são rios que nasceram paralelos e logo divergem pelos lados contrários dos contrafortes da montanha por ambos sulcada.
As rotinas esbarram na espessura do tempo. Na espessura que se fabrica, como se em cada um de nós houvesse uma harmoniosa forma do tempo. A sua particular forma harmoniosa do tempo, uma medida individual. As bandeiras niveladas no horizonte, alinhadas pelo vento fresco que transporta a maresia, são um simulacro do sincronismo que, por instantes, os contagia com a impressão de se abraçarem pelo tempo. Uma miragem, apenas uma miragem. Se os olhos se chegassem ao fio do horizonte onde se depõem as bandeiras içadas ao vento, veriam que nem as cores das bandeiras são olhadas em harmonia.
Poderíamos dizer: oxalá os relógios tivessem todos a mesma impressão digital do tempo rigorosamente medido pelos cientistas? O tempo é uma medida volátil. Os relógios, abraseados na imprecisão da volubilidade do tempo, são imprestáveis. Adereços. Baluartes da estética, ora os que repousam nos pulsos, ora os que enfeitam as torres altaneiras das catedrais, ora os centenários relógios das estações de comboio. Mas adereços, destinados à sua insignificância. Os ciclos interiores de cada um de nós desmentem o matemático rigor do tempo enclausurado pelos relógios. Uma mordaça que atraiçoa o devir, que é uma cilada para o presente quando se entrega na servidão das empoeiradas recordações.
Não se confirma: não somos vítimas da tirania do tempo. O tempo é uma medida inventada por cada um. Nós é que tomamos conta do tempo, damos forma e cor através dos nossos dedos como se fôssemos os seus escultores. Mas oxalá não houvesse relógios, ou calendários, ou tarefas com data marcada, tudo déspotas implacáveis que nos cercam. São eles que emprestam os antípodas para onde escorregam os corpos em demandas tão díspares.
Só somos a negação dos instintos enquanto relógios adejarem na sua perene teimosia de anunciarem as horas e os dias e os meses e todas as medidas do tempo. As medidas que retiram lucidez aos instintos.