3.2.11

Plano A


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Enquanto os dias não forem um longo bocejo. Enquanto as palavras não caírem na monotonia. Enquanto os olhos forem um aquário com águas onde apetece nadar. Enquanto. Por muitos enquantos que avivassem um encanto, impunha-se declinar a resignação.
Andou dias a fio à volta com estes pensamentos. Era uma lição necessária para o apaziguamento dos fantasmas que não cessavam de murmurar palavras malditas. Muito chão gastara nesses dias de preces pelos arrumos interiores. Havia respostas para todos os feitios. Respostas que esbarravam na sua antítese. Já não era a primeira vez que se afundara em dilacerantes dilemas. Soçobrava à penitência dos pensamentos dispersos que se amontoavam no firmamento, tomando conta de tudo, retirando importância a tudo o resto. Era como se esses dias fossem uma marinada onde se preparavam os dias vindouros.
Errava pelas ruas estreitas e inclinadas da parte antiga da cidade. De cada vez que entrava naquele labirinto sentia-se estranho na sua cidade. Talvez das outras vezes, absorto pelo demais, não conseguira reter as formas, as cores, até os odores dos becos e vielas populares entre os turistas. Enquanto estes perambulavam de nariz empinado à cata de conhecimento, ele perseguia o rasto dos seus dilemas, sorumbático, compenetrado no que se diria serem as rugas das pedras centenárias que dão tapete ao chão. Não admira que tudo lhe parecesse um lugar desconhecido. Mas nem sequer amadurecia o reconhecimento dos lugares, logo imerso na tortura das hesitações que o consumiam.
Era quando se sentia aprisionado pelas algemas dos enquantos. O estado consolidado das coisas oferecia-se como dom maior. Desvalorizava considerandos que esboçassem a impertinência do estado consolidado. Era quando outros planos, seguindo as letras do alfabeto que vinham depois do A, desfilavam diante dos olhos. Pesava-os a todos. Indagava as dores que importavam e as possíveis recompensas diferidas no porvir adiantado. A empreitada era árdua. Os planos em patamares alternativos, ou estavam longínquos aos olhos, ou, em estando perto, abraçavam-se num denso manto de névoa. Ao deitar era assaltado por outras dúvidas laterais (mas não menos relevantes): todos aqueles dias em interior peregrinação, tirando as medidas ao estado consolidado e aos planos alternativos, seria tempo desperdiçado em divagações inúteis.
Adormecia na ideia. Prometia romper com o embaraçoso adiar do porvir se acordasse assoberbado por este lateral dilema. O sono lavara as nuvens acasteladas que salpicavam dúvidas sobre a utilidade do exercício que repensava tudo de cima a baixo. Era mais um dia em que os enquantos se digladiavam com as cores diferentes dos planos em equação. Outro dia de errância entre esplanadas, livrarias com cheiro a bafio, as areias desertas no ocaso do dia, um almoço esquecido e um aniversário de alguém importante que ia a caminho do mesmo esquecimento. Já iam alguns dias de avanço neste adiamento de tudo quando notara uma centelha de lucidez a espreitar no firmamento. As ideias amadurecidas derrotaram todos os enquantos que convocavam as raízes do estado consolidado. Que estava em ruínas. Aliás, sem se dar conta, as ruínas já metiam as mãos num tempo que julgara ser um santuário da harmonia.
E perguntara-se se precisava de um plano, outro qualquer, que sepultasse aquele plano A. Percebeu então que o novo plano se entronizara plano A.

2 comentários:

Vanessa, a Mãe Possessa disse...

Eu costumava enaltecer a utilidade de um plano, como um esqueleto que suportaria qualquer eventualidade, um chão de cozinha armadilhado contra um qualquer "ratídeo" inopinado.
No entanto, muitas foram as ocasiões em que não fui bem sucedida nas pretensões iniciais, principalmente nas grandes bifurcações da vida. A razão? Os (meus) planos revelaram-se permeáveis, pelo simples facto de continuar a questionar os caminhos, mesmo depois de os tomar.

Com tudo isto quero apenas dizer que não nos devemos atormentar demasiado com o porvir, nem aborrecermo-nos se o plano não se consegue cumprir. É destas ocasiões que se destilam as melhores histórias!

PVM disse...

Os planos são a traição do futuro. E o mal é que, na maior parte das vezes, o futuro remove a espessura dos planos. Inúteis, pois, os planos.