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A Bélgica está sem governo há duzentos e quarenta dias. Continua a mover-se. Funciona. Andam angustiados, os adoradores da ordem e da harmonia institucional que rima com governo legitimamente empossado. Desconfio que esta angústia é mais prova de desespero, pois duzentos e quarenta dias sem governo não mataram a Bélgica. E logo a Bélgica, tão frágil no mosaico artificial de flamengos e valões, a Bélgica mesmo no limiar da desagregação. Eles temem que tantos dias sem governo provem que não há serventia nos governos.
Pelo meio, uma senadora belga fartou-se do impasse e da incapacidade para o entendimento de quem negoceia a formação do governo e sugeriu às consortes (e aos consortes) dessas pessoas que fizessem uma greve de sexo. Pode ser que a abstinência forçada os apoquente ao ponto de amolecerem as intransigências. Elas (e eles – os consortes) que ponham os figurões à míngua. A senadora está cientificamente convencida que, mais tarde ou mais cedo, os figurões cedem pelo cansaço. Vamos supor que isto acontecia. Começava a reescrever-se o manual da resolução das crises políticas. Nada de sexo e ponto final às crises. O mal é se o princípio pega de estaca e mete os seus tentáculos noutros domínios.
Questão prévia (e lá vamos farejar os becos da semântica): é greve de sexo ou greve ao sexo? O título da notícia mencionava “guerra de sexo”. Não é a prova dos nove. Quantas vezes as notícias adulteram o sentido original das palavras entoadas por quem dá o rosto à notícia? Era preciso ler (ou ouvir) as palavras da senadora. Não é indiferente o que apenas parece uma nuance semântica. Uma greve de sexo pressupõe danos para toda a gente envolvida, até para quem a convoca. Quem faz uma greve de sexo admite um auto-sacrifício. A greve também lhe faz mal, mas os valores mais altos que se levantam exigem a castidade forçada até que o problema esteja sanado. Quem promete uma greve ao sexo denuncia-se a si mesma(o). É como se a greve fosse um favor que lhe fazem, um descanso que as(os) põe a coberto de outros sacrifícios, os que vêm de mão dada com o acto. Uma greve ao sexo destapa a instrumentalidade do acto. No meio desta revoada semântica, que fique ao critério de cada um a escolha da expressão.
A ideia da senadora é insólita. Então não corre à boca pequena que o sexo amolece as pessoas? Tenho a impressão que se enganou no alvo. Se acha que a abstinência daquela gente que não se põe de acordo para a formação do governo é a solução, a irritação que acompanha a ausência forçada de sexo não será ajuda. Só vem agravar o problema. Então não se diz (também à boca pequena) que a irritabilidade de certas pessoas sinaliza a abstinência (voluntária ou não)? A senadora precisava de outras lentes. Para propor às consortes (e aos consortes) daquela tão importante gente que desatassem a copular furiosamente. Para deixarem de ser mal encarados e irredutíveis, amaciados pelo sexo mais frequente. Até porque a abstinência podia ter outras consequências devastadoras para a estabilidade familiar.
Azoado pela notícia, fiquei sem perceber se a senhora senadora é um animal sexual ou se é frígida.
3 comentários:
"(...)Para deixarem de ser mal encarados e irredutíveis, amaciados pelo sexo mais frequente."
Afinal não será assim tão difícil entender os famigerados métodos berlusconianos!
"(...)Para deixarem de ser mal encarados e irredutíveis, amaciados pelo sexo mais frequente."
Afinal não será assim tão difícil entender os famigerados métodos berlusconianos!
Ora nem mais!
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