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Uns agitadores de
extrema-esquerda descobriram novo filão: interrompem membros do governo quando
estes usam da palavra em cerimónias públicas. Interrompem e fazem gala de não
os deixar prosseguir a oratória. O modismo vem na esteira do profusamente
entoado “Grândola, vila morena”. Agora deixaram-se de cantorias. Exibem uma
tolerância que devia ser ensinada nas escolas. Para as criancinhas saberem o
que é a antítese da tolerância.
Alguns agitadores interrompem
com palavras de ordem, berrando-as até onde os pulmões e as cordas vocais
deixam. Outros desfazem-se em sonoras gargalhadas, ao menos deixando na sala um
perfume de boa disposição que nunca faz mal. Debaixo da complacência das
autoridades e do ar timorato dos ministros que mal esboçam reação, emalando os
papeis do discurso enquanto abandonam o local com o rabo entre as pernas. Os
agitadores, que banalizam as palavras “democracia” e “liberdade” de tanto as usarem
sem merecerem crédito, desembainham a espada da “liberdade de expressão” quando
alguém lhes pergunta por que interromperam o ministro. Podiam aprender,
coitados, já que não sabem o que é liberdade de expressão (uma achega: ela
termina quando estamos a pisar a liberdade de expressão dos outros), um
princípio de educação que se ensina em qualquer lugar: quando alguém fala, o
outro espera pela vez. Se não, se todos se interrompem sem ordem nem critério,
ninguém se consegue fazer ouvir.
Para piorar o diagnóstico,
temos uma pega de caras com os tutores intelectuais desta esquerda fundamentalista.
Eles puxam galões à retórica para justificar as interrupções em discursos dos
ministros. Estes autoproclamados campeões da tolerância, que desfilam na passerelle intelectual dando lições de
moral e ensinando o bê-á-bá das liberdades, ensinam que as circunstâncias de
emergência justificam que os oprimidos possam silenciar em público governantes
que tantos maus-tratos têm cominado ao “povo”. Nada de novo para os pergaminhos
da extrema-esquerda: os fins justificam os meios. Nesta altura, a comiseração
toca-me de raspão. Tenho pena deles, que tanto apregoam a tolerância e dão
caução a exibições que são a negação da tolerância.
E depois ainda apanhamos com
o outro inteligente que esbraceja os fantasmas da sublevação social, ou até da
guerra civil; ou o outro, ainda, convencido que o empobrecimento da população é
intencional com este governo. (E eu, provavelmente ingénuo, não consigo
acreditar que qualquer governante, em lado algum, mesmo estes de fraco jaez,
inscrevam na sua agenda de intenções deixar um rasto de pobreza entre quem
governam. Mas o mal deve ser meu. Só não sei se é incapacidade de compreensão,
ou apenas uma pueril ingenuidade.)
Tenho medo destas esquerdas. Mais
medo do que um governo inábil, que é o do momento. Medo das esquerdas, porque
calam quem manda enquanto estão tão minoritariamente na oposição. O que seria
se algum dia (em jeito de pesadelo) elas pusessem um pé no governo? Acordo
sobressaltado do pesadelo, ao pressentir o dano nas liberdades básicas. Quem
quer uma prova (contrafactual, admito, mas prova ainda assim)? O que
aconteceria se meia dúzia de indivíduos com mau feitio interrompessem um dos
gurus da extrema-esquerda na apresentação de um livro, ou um sindicalista
enquanto debita a homilia palavrosa? E o que aconteceria se um apoiante do
governo desse três tabefes nos agitadores mal-educados que interrompem alguém
quando está no uso da palavra?
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