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As noites são o epílogo?
Afaste-se a ideia de que as noites são um ocaso, como se fosse preciso reavivar
que a todos está fadado um ocaso. Isso é desconhecer que há os eternos. Os que
deixam marca indelével nos amanheceres que virão depois. Esses, do alto das suas
admiráveis pessoas, são dádivas para a humanidade. Nem que de si tenham medida
maior que a providenciada pelos espelhos onde, demorados, se autocontemplam.
Tem de haver figuras maiores.
Protagonistas. Eles não se podem esconder. Não lhes é dada se não a gratidão
dos outros quando se inclinam diante da grandeza com que ungem a humanidade.
São uma sonata melodiosa que encanta os ouvidos dos outros. Sem direito a
dissidências, que as que houver ou serão frenesim da inveja ou maceram num
autismo doentio. A humanidade toda devia-se curvar perante as notabilidades da
espécie. Quem os pode apedrejar pelo libelo de se esconderem da humildade? Aos
grandes só é permitido o reconhecimento da sua elevada estatura. Se a eles vier
a altivez, é um preço normal que os demais suportam. Uma compensação pelos
eméritos serviços à humanidade.
Mereciam espelhos dourados,
para se fitarem em complacentes autoelogios que aprovam o fausto que os indulta.
Os demais, os da estatura mortal, não podem hipotecar a aura que se agiganta
com o luar que cintila sobre as suas predestinadas mentes. E ai daqueles que
ousarem duvidar. A mortal condição é a expressão da sua finitude. Que não lhes seja
admitido o topete de ultrajar as proezas que sobram do pretérito. O tempo que
passou é a credencial dos feitos assimilados. Mal são credenciados, sobre eles
se investe um manto dourado que não admite reticências.
Podiam as eminências pardas
voltar ao terreiro onde todas as ideias, todas as palavras, as proezas de qualquer
estirpe, voltassem a ser examinadas. Nessa altura, saber-se-ia que a oligarquia
protege os seus. Um sentimento de casta que montou no dorso dos humildes que
rabeiam na cauda da humildade, educados para a necessária genuflexão aos
sábios. E se os sábios forem impostores, protegidos pelo sentimento de casta
sem terem de provar o que valem a um júri imparcial? E se os sábios o forem
porque assim se decretam uns aos outros?
Talvez, então, se provasse a
toxicidade do ego aspergida por tempo tanto. E os notáveis se dissolvessem nas
cinzas dos egos. Pois só os quem têm fraca raça se blindam num ego febril e
fabricado.
1 comentário:
Para os referidos "egos de fraca raça"
Adivinha
"Não é galo nem galão,
nem padre nem sacristão;
é um animal esquisito,
entre o peru e o pavão,
tem barbas ruivas de milho,
tem olhos de crocodilo,
rabo de rato, ou de cão,
ão, ão, ão ! "
in:“Aquela nuvem e outras”, Eugénio de Andrade
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