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(Prolegómenos de mais uma greve geral)
Oxalá
nunca deixássemos de ser crianças, os que, olhos marejados de tanta
ingenuidade, não queremos perceber as dores do mundo nem as tramoias dos
espertos. Os que, reféns de uma inocência pueril, recusamos passar a fronteira
que nos poria a governar a coisa pública, ou a sermos atores na governação por
freio a quem governa.
Se
ficássemos numa perene infância, acusam os adeptos do realismo, seríamos por
todo o sempre alienados das coisas que fazem o mundo. Seríamos pertences de um
mundo que, todavia, não seria o mundo em que medramos. Que nos demitiríamos da
cidadania que é condição inata à idade que passa, aos adultos que nos fazemos
contra a vontade interior e sem nada podermos contra o tempo que tem a sua
causa tirana. Envelhecemos e a infância é-nos vazada. Entramos no circo dos ardis,
onde quase tudo é feito de faz de conta. Onde os adultos se ensaiam atores na
plena aceção da palavra.
Perde-se
a bússola do genuíno. A espontaneidade é, com o tempo que acentua as rugas no
rosto, um distante oráculo que desmente a menina idade onde tudo o que era
importante pertencia ao lúdico dos mais velhos. Quando damos conta da adulta
idade, as dores do mundo e as perplexidades interiores açambarcam os sentidos.
O acessório triunfa entre os haveres da importância. Contaminados pelo saber
importado dos livros, a infância desfaz-se nas últimas cinzas. Os outrora
infantes aprendem, com as pedras pontiagudas que têm de atravessar, que feitos
há que não resolvem nada.
Os
protestos vociferados na rua, ou em dias em que se grita o direito de não
trabalhar, resolvem um nada que em si encerram. E o direito de não trabalhar e
o direito de gritar são direitos ungidos com a legitimidade (para que não
fiquem dúvidas). Aprende-se, nestes dias em que os que não vão trabalhar olham
de soslaio para os que cometem o opróbrio de fazer o contrário, que a liberdade
é um valor relativo. E aprende-se a decifrar a arte da manipulação, quando há
quem acomode toda a gente na simplicidade de um binómio, como se tudo fosse reduzido
a uma dicotomia a preto e branco.
Podiam,
ao menos, os possuidores das verdades irrebatíveis, os que falam com tanta
autoridade moral em dia de greve, aceitar que quem vai trabalhar exerce uma
liberdade que é tão sua. Sem que dessa liberdade se haja de entender um
patrocínio aos que, mercê da greve, são contestados.
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