3.6.13

As pedras que falam


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Nos promontórios que se ofereçam mais agrestes. Nem que alpinismo seja preciso. Que a destreza suavize as pedras pontiagudas que obstruem os pés cansados. Não desistas. Nem o vento álgido, ou os aguaceiros grossos que encharcam os agasalhos, demovam a escalada.
Passas pelo tempo que passa, pode ser que o entardecer se apresse e cerceie o alpinismo celeste. Não convém entrar nos precipícios escondidos quando já é noite traiçoeira. Apressas o movimento, derrotas o cansaço que transtorna a lucidez (a meias com a altitude que torna o oxigénio rarefeito). Perguntas às pedras debaixo de teus pés, às pedras todas que te cercam, quantas humanas almas as calcaram. Esperas por respostas, mas só obténs o silêncio embotado pelo silvo do vento e a musicalidade das grossas gotas de chuva que caem no chão pedregoso.
À míngua de palavras que as pedras não dizem, começas a imaginar a sofreguidão das pedras que querem falar. As palavras suadas pela exposição à atmosfera atroz. Como estão consumidas pela chuva impenitente, a água escorrendo por elas abaixo, as pedras lavadas perenemente. O musgo cresce nos intervalos das tempestades duradouras. As pedras ficam vicejantes, recebem o sol com a vontade de quem abre as janelas para o arejamento que se impõe. As pedras engalanam-se com a fina camada de musgo. Envaidecem-se. Sentem ser a recompensa pelos dias a fio fustigadas pelo vento implacável e a chuva que se descarrega em toda a sua ira sobre a serrania agreste.
As pedras gritam ao alto como são soberanas da paisagem. Vigiam os vales em redor, são tutoras dos rios que nascem num planalto e se vertem, com vertigem, pelo primeiro alcantilado que estiver a jeito. Tudo em volta conflui para as pedras dominantes. Centrípetas, deixam à paisagem restante a frágil condição de suseranas. São elas que retêm, até onde conseguem, as chuvas despejadas sobre a serrania. Elas determinam o sossego nos vales onde se acamam os rios que têm partida da serrania granítica.
Nunca uma dependência foi tão salutar. E as pedras, magnânimas, oferecem-se na sua equidistância como viveiros de onde os vales circundantes se regeneram.

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