Blur, “Charmless Man”, in https://www.youtube.com/watch?v=p1a_4CN4onA
Não é preciso muito. Um esforço modesto transfigura-se numa obra singular. Diga-se: não há montanhas insuperáveis; não há mares que não consigam ser sulcados por um navio adestrado. Se revelarmos o negativo, obtemos uma fotografia nítida nas mãos. Um esboço: não interessam os púlpitos onde amestrados figurantes da perfeição jogam numa rivalidade larvar. Orquestram os planos meticulosos, sem saberem que o inesperado pode dissolvê-los num toque destruidor. Não é preciso muito para uma vida se refazer de cima a baixo (na hipótese de ela não esmaecer no seu estertor). São improfícuos os batismos de alma que exibem impudores de grandeza. Se ao menos os candidatos a heróis soubessem que não passam da irrelevância intrínseca à lógica dos números (o que somos, se não uma casa infinitesimal na vasta estatística da espécie?), não se arrogariam tanto prestígio. Não seriam mais tarde acometidos pela dor pungente da decadência. É mais fácil ser uma estrela cadente, dirão, do que repousar a resplandecência perene no firmamento. A menos que o firmamento seja um castelo onde a alma coabita no seu fingimento. Não rimam os prolixos esteios da interior grandeza com os aromas do mundo. Ficam aquém das cores desmaiadas que compõem a paleta dominante. Por mais que tentem ser o arco-íris que empresta vivacidade ao demais, não governam a contingência. São atores menores num palco sobrepovoado. Quem assim se movimenta no imenso palco das intenções acaba a bolçar a ilusão em que se consome. A desafetação podia ser o sucedâneo e abraçar-se aos cometimentos modestos. Chega a mera ignição de um fósforo. O resto do fogo vem das veias abraseadas que forem submetidas ao altar da vontade. O melhor critério é não aspirar a ser estrela, nem de si poder dizer que é um quinhão no mapa do céu. Esse modo garante que nunca se chega a ser estrela cadente.