19.9.25

À Bélgica que há em nós

Björk, “Bachelorette”, in https://www.youtube.com/watch?v=JNJv-Ebi67I

Em vez de nos atirarmos para o fosso à espera que venham os crocodilos, por que não desamarrar as mordaças que nos colocam na tangente da idade medieval? 

Em vez de nos consumirmos como desiguais, por que não exaltamos o mínimo denominador para esconjurar os fantasmas que inventámos para nos sobressaltar?

Em vez de cairmos verticalmente em trevas ao acaso, por que não acendermos a candeia que em nós derrama uma luz resplandecente para anuirmos no melhor que temos dentro de nós?

Em vez de escolhermos intrincados nós de marinheiro como sentença da decadência, por que não derrotar os derrotismos e vestir um rosto desimpedido?

Em vez de sermos presas fáceis de um pesar secular, por que não olhamos sem ser em vão para o tempo promitente?

Em vez de acusarmos quem se nos opõe, por que não juntamos as dissidências como critério de superação, nem que seja para atestarmos a maturidade em atraso?

Em vez de fingirmos mentiras exuberantes, por que não nos lançamos de caras aos desafios de que não podemos fugir?

Em vez de sermos órfãos dos mares diletantes, por que não ocupamos as largas folhas de papel com poemas que sejam apenas poemas?

Em vez de jurarmos hinos e bandeiras depressa repudiados, por que não descobrimos os miradouros de onde podemos alcançar uma qualquer quimera (nem que seja irrelevante para os demais)?

Em vez de sufragarmos fratricidas diferenças, por que não as assumimos sem cultivar uma angústia tatuada?

Em vez de sermos vitimados pela perseguição apenas imaginada, por que não deixamos os outros serem quem querem ser?

Em vez de bolçarmos desconfiança metódica, por que não alijamos as cicatrizes para irmos ao futuro com a pele desimpedida?

Em vez de nos despenharmos nas coisas triviais, por que não inventamos um lugar que seja uma geografia familiar?

Em vez de sermos um adiamento consecutivo, por que não deixamos o tempo exercer o seu papel?

Em vez de sermos disfarces, por que não arrumamos as gavetas e deixamos a desordem ganhar a sua própria coerência?

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