Interpol, “Obstacle 1” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=03A7Ycj_Nqo
Há orfandades que ficam tatuadas no fundo da alma. Tatuadas com uma tinta invisível que desmente passaportes. O autêntico lugar do nascimento não é o do nascimento físico. Às vezes, passam-se anos e anos até que as pessoas encontrem o seu autêntico lugar de nascimento. Não precisam de emendar a naturalidade no passaporte. Ela fica automaticamente embebida na fundura da alma, com a tinta invisível que reinventa uma identidade.
Outras vezes, a orfandade da pertença estende-se pela vida fora. Não é o lugar do nascimento que se oferece como âncora. Também não é qualquer outro lugar entretanto descoberto na convulsão de uma epifania pessoal. É uma terra de ninguém, povoada apenas por quem rejeita todos os lugares que pudessem servir de estuário onde estendem a duração de uma vida, inteira ou em fragmentos. É uma terra propositadamente de ninguém que investe na pessoa que a demanda e não o contrário, que o uso é as pessoas investirem em terras.
Não é fraqueza irremediável reconhecer que se é de uma terra de ninguém. A definição é equívoca. Ninguém sabe onde é a fronteira entre uma terra de ninguém e outra terra de ninguém; podia-se discutir se a terra de ninguém é um imenso baldio que trespassa as fronteiras, as físicas e as inventadas pelos Homens no seu afã de serem diferentes uns dos outros; ou até especular, com a ajuda da teoria e da ideologia, se a terra de ninguém precedeu os marxistas, sendo, abjurada pelos apóstolos do capitalismo tão arreigados ao direito de propriedade.
Todas essas questões são espúrias, levitam com a mera espuma dos dias de quem evita o significado profundo da terra de ninguém e de como alguém que se considera ser de uma terra de ninguém não é um apátrida. A terra de ninguém é aquele território conhecido apenas por quem o reclama como a tinta invisível que se tatua por dentro da alma. Ninguém mais tem de saber onde fica a terra de ninguém.
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