Slowdive, “When the Sun Hits”, in https://www.youtube.com/watch?v=1_1Uuqs6u5k
Não havia flores no jardim da primavera. Não era por indiligência dos jardineiros. A terra estava cansada. O tempo até andara a preceito, com chuva suficiente e sol no tempo certo – o tempero próprio para uma colheita habitual.
A terra estava cansada de ser o amparo de tanta beleza de flores variegadas. Podiam dizer que a terra tinha inveja da constelação de cores que as flores ofereciam aos olhares limítrofes; que tinha inveja de os olhares se deterem nas flores e serem indiferentes à terra. Não era o caso. A terra sabia o seu lugar, sabe que nunca deixará de ser o ingrediente enegrecido e que uma paleta de cores não quadra com o seu lugar. Também sabia que, por ser rica, era o húmus de onde abotoavam as flores em toda a sua exuberância. O seu negrume habilitava as cores radiosas das flores sazonais.
A terra estava cansada porque ela também tem limites. Ser o alicerce contínuo de tanta beleza era uma responsabilidade que a terra não omitia. Se fracassasse, as pessoas ficavam privadas de toda a exuberância deixada em testamento vital pelas flores exemplares. Se falhasse, as pessoas nem desviavam o olhar para apreciar a nudez da terra.
Os jardineiros pressentiram que a terra estava doente. Carregaram vitaminas que reabilitam a terra. Não a souberam ouvir: a terra ter-lhes-ia dito que estava de boa saúde; apenas estava temporariamente incapacitada porque, à semelhança das pessoas que precisam de férias avulsas, a terra tinha de hibernar para estar a par da responsabilidade de ser o úbere de flores tão afamadas.
Se soubessem ouvir o bramido interior da terra, saberiam que ela pedia que se atrevessem a contar da frente para trás. As merecidas loas às flores exigiam um elogio proporcional à terra de onde manavam. Não era inveja; era uma reivindicação sindical da terra.
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