15.9.25

Janelas baças

Radiohead, “Everything in its Right Place”, in https://www.youtube.com/watch?v=zJdYlUiWAVY

Diziam: a babugem, apenas a babugem, é o coalho estéril da viagem das pessoas pelo tempo. Antes fosse. Seria como branquear o rosto seráfico que desfeia os lugares por onde transita o tempo. 

Antes fosse válido o diagnóstico. Vale como mero prognóstico, um desejo virado para o futuro, para que o futuro seja a favor; ou o desejo de procurar a sua materialização num tempo ainda ausente. A compensação pelo presente destravado, coado pelas janelas baças que são o mostruário da saliva ácida depositada sobre as vidraças puídas.

Talvez as janelas não estejam baças. Elas devolvem ao olhar o que está baço, encravando a lucidez, encostando-a a um labirinto gasto, gongórico, como se fosse um rio que perdeu a embocadura. São as palavras carregadas de malícia, as intenções pérfidas, as conspirações que desassossegam, um crepúsculo que torna os dias repetitivamente mortiços. As pessoas que se tratam como rivais, suprimindo a cooperação inata, as pessoas boçalmente ensimesmadas. A mentira desalfandegada. As tornas das vinganças que desmentem epifanias dos que se conseguem despojar da fibra do mundo à sua volta. O paroxismo do fingimento que desprepara a carne para as cicatrizes que estão para vir. 

As janelas estão baças e talvez isso seja uma proteção outorgada. Através das baças janelas, não chega ao olhar nem metade do mundo na sua existência melancólica e torturada. Esbarra nas janelas baças que travam os males maiores se não tivessem a função de coar parte das aleivosias em que o mundo medra. Se não fossem as janelas baças, a avalanche do mundo que carrega a angústia às costas abater-se-ia sobre as vítimas. Não se diria que são vítimas inocentes. Muitos deles são os tutores dos extravios do mundo que se insinuam nas baças janelas protetoras. 

Dantes, puxar o lustro às janelas era um dever. Agora, as pessoas deixam as janelas arrastar-se na sua puída forma. À custa do tanto saber, descobriram que as janelas baças são a proteção de que precisam para não serem trucidadas pelo mundo lá fora. São como o exílio necessário, uma fuga interior em proveito próprio, e não uma prova de descuido.

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