29.12.08

Elogio da juventude


(Em diálogo com o elogio da velhice)


Um dilema, uma inquietante encruzilhada. Ora a sensação de que o tempo corre para a frente, implacável, e que todas as nostalgias são uma ofensa ao devir. As nostalgias como tempo desperdiçado na evocação das memórias que o são apenas isso – memórias, tempo morto, tempo roubado ao tempo que se esvai até ao fatal momento em que um ponto final for colocado na existência. Ora, em contrapartida, a saudade pela juventude que teve o seu ocaso.


A sagração da juventude cujos vestígios se tentam resgatar não é uma expressão de nostalgia. Não há aqui elogio de uma particular juventude emoldurada nos registos da memória. Como se fosse um ensaio para prolongar até ao futuro episódios de outrora que pertencem ao património da juventude pessoal. É de coisa diferente que trata o elogio da juventude. Recusa em ver o corpo envelhecer. Fitar o espelho em demanda das rugas que vão marcando o rosto, um mapa peculiar das vicissitudes dobradas. Ecoar um largo suspiro pelos tempos em que do corpo se exaltavam outras capacidades. Uma paradoxal dialéctica entre corpo e mente, porém. Se ao corpo começam a faltar forças, dobrado pelos sinais de um envelhecimento indomável, a mente revigora capacidades ao libertar-se do espartilho da imaturidade.


Por vezes, não se consegue ceder à tentação de lutar contra a passagem do tempo que vai roubando os fragmentos da juventude que ainda se conservam. É nessas alturas que a nostalgia irrompe, resgatando do baú das memórias os sinais de uma juventude em ausência. E, todavia, sobra a sensatez para combater a relapsa nostalgia, pois ela é a confissão de uma derrota que se abate sobre os que se entregam à militância da rememoração do tempo ido. A evocação da juventude que se esvai é apenas uma homenagem à juventude que algum dia se há-de perder, definitivamente, enclausurada então num túmulo. Uma homenagem à juventude como coisa abstracta.


Quando se dá conta que o tempo corre mais depressa que o relógio, triunfa o louvor da juventude. Olha-se para trás: os cálculos do tempo que transcorreu desde certo episódio marcante revelam o largo calendário que acumula a poeira do tempo. Neste hiato, todo um mundo que mudou, toda uma vida que foi atravessando as mudanças, umas intencionais, outras trazidas de surpresa. O calcário dos anos acumulados a notar-se nos sinais do tempo à feição do envelhecimento. É então que a encruzilhada sublime troa na sua obstinação: entre admitir que os ponteiros da vida fluem no seu sentido natural, e a recusa em perder os vestígios da juventude que desmaiam na inevitabilidade temporal.


Porventura há uma explicação para a encruzilhada diante: um ciclo de vida que emerge como charneira entre a juventude erodida e a meia-idade a ocupar o seu espaço. Há dias em que vinga o sabor adocicado da idade revelada, a reconfortante sensação de que o tempo que ainda falta não merece ser desaproveitado em devaneios que recuperam os vestígios de uma juventude que já não é senão uma memória. E há dias de negação, dias de teimosia em prolongar uma juvenil existência desmentida pelas rugas, pelos cabelos grisalhos em revelação crescente a cada visita ao cabeleireiro, das primeiras traições do corpo. Esses sinais são o alarme que soa e despertam a necessidade de estender a juventude, nem que seja uma artificial juventude.


Forja-se uma juventude que teve o seu tempo. Como se, de repente, do sono despertasse para a inteligibilidade da primavera que já o deixara de ser, aos poucos. As camadas do tempo adensam-se e furtam os sinais dessa primavera. Redobra-se o combate à marcha do tempo, como se fosse possível dobrar a sua inexorabilidade. Pode-se algo contra a emergência da espontaneidade? Ainda que essa espontaneidade seja a negação da realidade que desfila diante dos olhos?


Sobra uma inveja, uma saudável inveja, dos que ostentam a colossal juventude.


Sem comentários: