1.12.08

Da ministra da educação, para a galeria dos “tesourinhos deprimentes”


Dizem que o Público é pouco simpático com o notável governo do momento. Dizem alguns que a linha editorial do jornal enveredou por uma tacanha cruzada contra o governo de tão elevadas qualidades e apetências. Estranho o diagnóstico. Na sexta-feira, o jornal serviu uma entrevista em jeito de panegírico à delapidada ministra da educação. Se não era para recuperar a imagem (e a auto-estima?) da senhora, não sei o que seria.


Só que há presentes envenenados. Porventura vão acusar outra vez o jornal de impiedoso ataque a membros do governo. Algures a meio da caritativa entrevista, a senhora confidenciou: "Uma carta que recebi de um menino que recebeu um computador para ter em casa, não sei já em que circunstância, e escreveu-me a dizer: 'Quando for grande, vou inscrever-me no PS.' É tocante." Não devia o servil jornalista apagar, com o seu pessoal lápis azul, este sublime e insano momento kitsch da entrevista – será a interrogação retórica dos apaniguados do governo do momento, acusando o Público da enésima orquestração contra o dito governo.


A carta existe? Podia a senhora ministra mostrá-la ao jornalista que, conivente decerto, não terá pedido a sua certificação. Se a carta existe, seria a coroa de glória da senhora – ela que, para infelicidade pessoal, se debate com tantas resistências às reformas que pôs em marcha. Bárbaro povo o que é incauto ao ponto de não se rever na bondade e na excelência da ministra. Ela confessava, ainda: estar cansada. Deve ser a agnosia dos que não prestam a homenagem que ela, no seu íntimo, considerará merecida. Só os predestinados para ecoarem, com insolência, o cansaço do povo ignaro. Talvez seja sinal da duvidosa cultura democrática, dos reduzidos padrões de tolerância, de quem ainda sente saudades da juventude passada nas franjas de semi-clandestinos movimentos anárquicos.


(E aqui o anarquista tem de meter a colherada – o anarquista de outros quadrantes, todavia, que Bakunine e afins não pertencem à minha cartilha. Fico perplexo com a rotação de cento e oitenta graus: de quem navegou nas águas da anarquia e agora se delicia com o sedutor poder outrora vilipendiado. Personagens conhecidas que deram cambalhotas parecidas é o que abunda. Defendem-se: devaneios da juventude, da irascível juventude vivida muito depressa, arrebatada com ideias e causas de apaixonantes radicalismos. Como pode um anarquista de ontem tornar-se detentor do poder anos mais tarde é algo que ultrapassa a minha capacidade de compreensão. E como pode alguém que traz à entrevista nostalgia pela juventude enamorada pelo anarquismo exercer o poder de maneira tão arrogante, tão despótica, causa-me ainda mais espécie.)


Regresso à frase que há-de ficar emblemática quando a senhora for varrida para um canto da história. E à interrogação: a carta do menino existe? Vou supor – mas só supor, que a crença é ténue – que a ministra da educação não estava a mentir quando trouxe a carta do menino para a entrevista. Onde queria ela chegar? Que aquela fatia do povo néscio que ainda não se convenceu que devia votar PS não é merecedora de crédito algum? Que o PS devia ser a nova união nacional? Como é adorável esta insidiosa forma de fazer passar mensagens. Sim, insidiosa: sem revelar a idade do petiz enfeitiçado com a grandeza do PS, em todo o caso, um sobredotado petiz que, ainda na tenra idade, se ocupa já da paisagem política e partidária. Ai de quem ouse desconfiar que a carta não foi lavrada pelo punho da criança embeiçada pelo PS. E ai de quem suspeitar que a carta é um moinho de vento na cabeça da senhora ministra.


Esta frase, uma "frase Santana Lopes", é epitáfio antes de tempo. A ministra deve andar extenuada, as forças exangues nesta tenebrosa guerrilha com professores e sindicatos. Perdeu o norte e embrulhou-se no diáfano manto da ridicularia. A frase, digna de um programa de humor. Ou de um filme com traços de surrealismo. Ela sentenciou: "é tocante", que o menino (ou alguém por ele; ou apenas a febril imaginação de sua excelência) tenha prometido casamento com o PS ainda em idade tão precoce. Há quem goste de dar coices em si mesmo, não é senhora ministra?


É nestas alturas que vem ao de cima uma pessoal, mas indomável, frustração: não consigo gostar do PS, nem um grama que seja. Por que será?


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