17.12.08

O anarquista perante os tumultos anarquistas de Atenas


Hoje expressa-se a costela anarquista. Diante dos protestos, e depois dos distúrbios e do caos semeado pelos jovens anarquistas em Atenas (e menos jovens, resgatados à modorra da meia-idade, em mergulho nas profundezas da juventude anárquica). Poderia o anarquista exultar com o desafio à autoridade. Ver gente a enfrentar a polícia é sinal da autoridade do Estado questionada. O anarquista poderia mostrar simpatia pelas manifestações de Atenas.


Mas há anarquismos e anarquismos. Há anarquia que rima como puro caos, amantes os seus cultores da desordem que seria penhora da desagregação do Estado. Porventura para, do caos, os seus fautores se erguerem como novos senhores de uma ordem que nunca teria esse nome. Como há um anarquismo que não se revê na autoridade do Estado e respeita os direitos de propriedade, quase sagrados esses direitos, por respeito ao esforço individual que caucionou a aquisição dessa propriedade.


O anarquista que se encontra do outro lado da barricada ideológica (por contraponto aos jovens anarquistas de Atenas) logo asfixia os sedimentos de simpatia com os revoltosos atenienses quando repara que o caos ataca tudo o que apareça pela frente, indiscriminadamente. Na seiva onde fervilha a raiva incontida dos jovens tumultuosos, espalha-se um rasto de destruição. Automóveis incendiados, lojas vandalizadas, e o alvo privilegiado: bancos e multinacionais que são o mostruário do sistema capitalista odiado pelos jovens anarquistas de Atenas. Esses bancos e multinacionais não escapam à fúria avassaladora dos revoltosos, atacados sem dó, como se nesses ataques houvesse um laivo de justiça divina (se os jovens anarquistas acreditassem em qualquer entidade divina).


É aqui que se separam os caminhos destes anarquistas e do anarquista que escreve. Para começar, eles odeiam o sistema capitalista. Eu acho-o a maior invenção do ser humano. Eles atropelam a propriedade privada, destruindo automóveis de gente inocente. A menos que a simples posse de um automóvel sinalize a cumplicidade dos proprietários com o nefando capitalismo que eles gostavam de derrubar. Atacam as empresas que são o expoente da globalização gananciosa, elegendo os bancos como alvo preferencial por causa da tempestade que atravessamos, a tempestade crismada "crise financeira". Para os revoltosos, estas empresas cuidam do lucro e desvalorizam as pessoas. Tudo isto está na origem da opressão dos trabalhadores, que perdem direitos com a passagem do tempo; no exército de desempregados, que cresce de maneira aviltante; no futuro sombrio que se oferece aos jovens que passam anos a estudar sem saberem o que fazer quando terminarem os estudos.


Ainda que coincidisse no diagnóstico, logo divergia nos meios escolhidos para convocar a atenção do mundo inteiro – pois é o mundo inteiro que está de olhos em Atenas, e parte desse mundo, arauto da desgraça, pressagia que os tumultos atenienses acabarão por ter réplica noutros locais. Por mais que os acontecimentos sejam convenientes à habitual facção enamorada por lirismos espúrios (os eternos saudosistas de um Maio de 68 a repetir-se ao longo do tempo), esta gente ainda não entendeu como os protestos de Atenas foram capturados por movimentos anárquicos sedentos de semear o caos. É enternecedor ler o "aviso" presciente do "patriarca da democracia" lusitana, Mário Soares: ele não ficava surpreendido se por cá eclodisse um movimento semelhante. Apetece perguntar: não ficava surpreendido, ou até gostava que isso acontecesse?


O episódio tem um travo amargo para o anarquista situado no outro lado. O anarquista repudia o exercício da força que repousa no manto da autoridade, aquilo que politólogos e sociólogos consagraram como o "monopólio da violência", sinal necessário da existência do Estado. Todavia, como posso recusar a confissão que me dá prazer assistir às cargas policiais sobre os anarquistas de Atenas? Quando dou comigo a sentir esse prazer, é uma numa tremenda contradição interior que me sinto agrilhoado. Até porque a violência policial não se exerce para defender a propriedade privada esbulhada pela violência gratuita dos anarquistas tumultuosos, mas para defender a ordem estabelecida e a autoridade do Estado.


É por isso que me motiva uma dupla oposição aos jovens anarquistas de Atenas: por estar nos antípodas da sua agenda ideológica; e por os seus actos me levarem à heresia anarquista de condescender com a violência policial.


1 comentário:

Anónimo disse...

Anarquista que é anarquista de verdade... combate o capitalismo...

capitalismo = miséria, fome, caos social...

Fodam-se os "anarco-capitalistas"!!!!!!!