25.2.10

Há cada comparação estrambólica…


Sabem o que é honestidade intelectual? É não distorcer argumentos só para atingir o efeito pretendido. Não fazer comparações obtusas. Aquelas comparações que ofendem a inteligência dos destinatários da mensagem e deixam a nu a indigência mental de quem as faz. Acontece com gente empenhada em causas, tão empenhada que o oxigénio passa a ser a causa em que militam. Azamboados com o fim que perseguem, juntam-se ao numeroso exército dos que usam qualquer meio para saciar a sagrada finalidade. Nem percebem que a cretinice da comparação joga-se contra os seus interesses.

Em França, um movimento que empunha baionetas contra os tabagistas (esses novos leprosos) inventou uma campanha que compara o consumo de cigarros com sexo oral forçado. O criativo de serviço explicou-se: "O discurso clássico, do tipo "o tabaco faz mal", já não funciona", argumenta Marco de La Fuente, responsável pela campanha, acrescentando que "a mensagem é "o tabaco é uma submissão". Ora, no imaginário colectivo, o sexo oral é o símbolo perfeito dessa submissão." Estas alarvidades, arquétipo de desonestidade intelectual, comparam o que não tem comparação. Portanto, convém dissecar a comparação para perceber se ela não é uma zoeira ímpar.

As fotografias que acompanham a campanha são sugestivas. Adolescentes (o público-alvo neste assomo anti-tabaco) aparecem contrariados a empurrar um cigarro boca dentro. A pose é sugestiva. Os adolescentes estão ajoelhados diante da silhueta de um adulto, o braço deste a forçá-los a experimentar o cigarro. A pose é sugestiva e metafórica. É, diria, doentia de quem assim a concebe. Além de revelar uma profunda ignorância na arte do sexo. As palavras do criativo falam por si: quem acha que o sexo oral representa, no imaginário colectivo, "o símbolo da submissão" de alguém a outrem, é porque está doente da cabeça. Ou tem assuntos mal resolvidos como seu passado.

Continuo-me a debater com a estrambólica comparação. O vício do tabaco também implica meter algo à boca, é garantido. Que alguém explique ao senhor de La Fuente o significado de cunnilingus. Para deixar de ter pensamentos afunilados sobre o sexo oral. E, de caminho, que alguém faça perceber àquela cabeça de primata que há quem tenha o vício do sexo, nas suas mais variadas formas e feitios. Que se saiba, esse vício não é crime. Nem, para já, pretexto para as autoridades esbulharem a intimidade dos ensandecidos que se entregam a prazeres carnais, as autoridades a espreitarem entre os lençóis (ou noutros locais onde a função se cumpra) para matar o vício à nascença.

Se o efeito pretendido é colocar o tabaco e o sexo oral ao nível de assunto viciante, o senhor de La Fuente estatelou-se ao comprido. Dando de desconto a perseguição aos fumadores, o sexo (nem o oral) não mata ninguém. Podia-se ainda mencionar um efeito psicológico que se espalha entre os mais jovens e que sucessivas levas de cientistas souberam demonstrar e explicar: o fruto proibido é o mais apetecido. Foi aí que percebi que, afinal, o senhor de La Fuente deve ser um agente infiltrado do lobby da cinematografia pornográfica. Suponho que esta campanha vai promover determinados talentos dos jovens imberbes.

Desde que apanho todos os dias com aquela improvável campanha publicitária de uma cadeia de supermercados (até custa pronunciar o seu adocicado nome), aquela campanha que eleva a fasquia do anti-estético a um nível nunca dantes conhecido, já nada surpreende. Esses publicitários devem ser fervorosos fãs de Tony Carreira, Emanuel, B Fachada, Samuel Úria e sucedâneos, a atestar pela bitola estética que emprestam aos anúncios com a sua chancela. Em França, o mau gosto teve outras cores: o zénite da desonestidade intelectual com uma comparação absurda que meteu pelo meio esse assunto eternamente mal resolvido entre muita gente – o sexo.

Um dia destes, um grupelho com embirração por bicicletas fará uma campanha (muito homofóbica) a advertir para os malefícios de quilómetros atrás de quilómetros com o traseiro pousado no selim afiado.

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